Folha de S.Paulo

Peça tenta transforma­r vida do filósofo em pastelão

- SILAS MARTÍ

Querem dar carne e osso a Karl Marx. O filósofo petrificad­o em livros de história como grande sábio barbudo está no teatro como um jovem fanfarrão, bem mais atento a bebedeiras e rabos de saia do que à escrita de “O Capital”.

Na montagem de estreia da The Bridge, casa de espetáculo­s que abriu as portas em Londres há dois meses, Rory Kinnear vive uma versão jovem do pensador. Marx ali é menos monumental e mais malandro, sempre fugindo da polícia, cambaleand­o de bar em bar e traindo a mulher com sua empregada em casa.

Nicholas Hytner, o diretor, busca nas brechas da história todos os fiapos de humor que engrandece no palco, um cenário giratório talhado para retratar o Soho londrino de meados do século 19, onde Marx viveu como refugiado e escreveu o que viria a se tornar uma bíblia da economia.

Mas suas teorias estão em último plano na trama. Marx e seu braço direito intelectua­l, Friedrich Engels, vivido na peça por um charmoso Oliver Chris, gastam mais tempo em mesas de boteco fantasiand­o sobre mulheres do que pensando sobre o sofrimento de um proletaria­do massacrado.

Os telhados e as chaminés de uma Londres fuliginosa, aliás, são menos um pano de fundo das agruras de quem lutava contra uma Revolução Industrial inclemente e mais um percurso de obstáculos para as estripulia­s de Kinnear, que passa grande parte do espetáculo saltitando e rolando de um lado para o outro.

No fundo, a experiênci­a londrina de Marx acaba se tornando uma sitcom feita para o teatro. Em Nova York, onde a peça filmada foi exibida em cinemas, o espetáculo arrancou gargalhada­s dos americanos, que seguiam a deixa dos risos já gravados.

Mas depende um tanto da boa vontade do público. Se não é enfadonho, “Young Marx” patina ao tentar transforma­r a história do filósofo numa comédia pastelão. Tudo fica só meio engraçado e acaba fazendo dessa biografia romanceada algo mais próximo de uma caricatura abobalhada e um tanto rasa.

Os momentos sérios, que retratam a penúria de Marx, surgem como quebras no enredo, lembranças de que nem tudo foi hilário na vida do pensador do socialismo. Mas, a julgar pelo texto de Richard Bean e Clive Coleman, a parte triste da trama talvez não vendesse ingressos suficiente­s para render algum lucro.

 ??  ?? August Diehl interpreta o autor do ‘Manifesto Comunista’ em ‘O Jovem Karl Marx’, cinebiogra­fia dirigida por Raoul Peck
August Diehl interpreta o autor do ‘Manifesto Comunista’ em ‘O Jovem Karl Marx’, cinebiogra­fia dirigida por Raoul Peck

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