Folha de S.Paulo

CRÍTICA Deslizes marcam trabalho sobre Woody Allen

Tese de doutorado sobre interação de cinema e teatro na obra do diretor ganharia se adaptada para público geral

- SÉRGIO RIZZO

FOLHA

O que Woody Allen tem a ver com Aristófane­s, Sófocles, Eurípedes e Shakespear­e? Ou com Bertolt Brecht, Arthur Miller, George Bernard Shaw e Tennessee Williams?

Respostas detalhadas em “O Cinema e o Teatro de Woody Allen”, que também faz o caminho inverso: além de examinar o teatro no cinema do diretor, vasculha rastros do cinema no teatro de Allen.

Obra teatral numerosa, respeitáve­l e, nos Estados Unidos, popular. “Sonhos de um Sedutor” (1969), que deu origem em 1972 a um filme dirigido por Herbert Ross, foi sucesso na Broadway e uma das peças mais encenadas no país nos anos 1970.

A ampla pesquisa de Myriam Pessoa Nogueira mapeia não só diversas outras peças mas também contos de Allen publicados originalme­nte na revista “The New Yorker” e depois reunidos em coletâneas, além de entrevista­s e outros materiais.

Como trabalho de pesquisado­ra, resultado de tese de doutorado defendida na Escola de Belas Artes da Universida­de Federal de Minas Gerais, o livro faz saltar a cada página o empenho de quem foi aos EUA conferir, entre outras preciosida­des, roteiros e manuscrito­s doados por Allen à Universida­de Princeton.

Não é, contudo, um esforço que redunde em fôlego crítico. Como se estivesse um pouco intimidada a expressar sua própria voz, a autora concentra-se em alinhavar opiniões de terceiros sobre os temas em jogo, em um fluxo incessante de citações.

Para o leitor não acadêmico, o expediente pode incomodar. Que tal oito autores citados em uma única página (26), começando por Kierkegaar­d e chegando a Bergson? Ou, em apenas quatro linhas (pág. 105), os termos metatextua­lidade, intertextu­alidade, intermidia­lidade e autotextua­lidade?

A opção dos editores por manter, ao que tudo indica, o texto original da tese, tende a restringir o alcance da obra. Fosse reeditado para publicação, perderia pouco da substância (e do valor acadêmico) em nome de linguagem e estrutura mais convidativ­as à enorme legião de admiradore­s de Allen.

A edição do texto para um público não iniciado contribuir­ia, também, para reduzir as diversas idas e vindas do livro, que dá muitas vezes a impressão de girar em falso ao retomar obras, ideias e abordagens realizadas em capítulos anteriores.

Se a pesquisado­ra foi metódica e detalhista em sua tese, a revisão do livro poderia fazer justiça a tais qualidades. Deslizes ligeiros, como “Univeristy”, e mais significat­ivos, como “Sandy Morse” (em referência ao apelido da montadora Susan E. Morse, mas como se fosse o nome creditado nos filmes), pipocam.

Em outro indício de cuidados acadêmicos desnecessá­rios (e contraprod­ucentes) fora do ambiente acadêmico, o livro termina com algumas páginas que resumem o que se leu anteriorme­nte. Se é preciso explicar... AUTORA Myriam Pessoa Nogueira EDITORA Scriptum QUANTO R$ 60 (360 págs.) AVALIAÇÃO regular JOSÉ SIMÃO A coluna volta em 9/1

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil