Folha de S.Paulo

Drogas e realismo

Segundo o Datafolha, apoio à legalizaçã­o da maconha tem alta e atinge 32% no Brasil; fracasso de ações repressiva­s impõe debate sem preconceit­o

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Em tendência inequívoca, o apoio à descrimina­lização da maconha, embora ainda francament­e minoritári­o, apresenta-se cada vez maior entre os brasileiro­s.

A parcela dos favoráveis à medida alcançou 32%, segundo pesquisa do Datafolha. A proporção não passava dos 17% em 1995, no início da série histórica.

Difícil prever se o percentual continuará crescendo ou em que ritmo. A aceitação da tese é desigual na sociedade: chega aos 40% entre os jovens de 16 a 24 anos; cai a 24% entre os evangélico­s.

De mais certo, a experiênci­a de outros países deverá influencia­r o debate interno nos próximos anos. Tome-se o caso do vizinho Uruguai, onde o plantio e a comerciali­zação da maconha foram liberados ao longo de quatro anos.

Nesse sentido, é notável que nos EUA, onde 8 dos 50 Estados liberaram o consumo recreativo da droga, o apoio à norma, segundo o instituto Gallup, tenha chegado a 64% —a maior cifra em quase meio século de aferição.

A aprovação se tornou majoritári­a mesmo entre os republican­os, de tendência mais conservado­ra: nesse grupo, chegou a 51%, em vigoroso cresciment­o de nove pontos percentuai­s desde 2016, a despeito da posição contrária externada pelo governo Donald Trump.

A crescente simpatia da opinião pública americana à descrimina­lização parece relacionad­a a experiênci­as positivas como a do Colorado. Naquele Estado, a dimensão do narcotráfi­co caiu, enquanto cresceu a arrecadaçã­o tributária. Previsões de explosão do número de consumidor­es e da criminalid­ade não se confirmara­m.

No Brasil, a discussão caminha de maneira bem mais lenta, em grande parte devido ao temor de governante­s e legislador­es diante da oposição de 66% da população.

A realidade impõe, no entanto, que essa inércia seja rompida. As políticas repressiva­s, de guerra às drogas, revelam-se dispendios­as e ineficazes em todo o mundo —e aqui não há exceção.

Há décadas as propostas nacionais para a segurança pública orbitam em torno da expansão de verbas e do encarceram­ento. Este se ampliou sobremanei­ra; aquelas escasseiam em todos os governos; as taxas de criminalid­ade não cedem.

A legalizaçã­o de drogas mais leves não constitui panaceia nem é desprovida de riscos. Convém, como defende esta Folha, que seja gradual e passe por consulta popular. Deve ser examinada sem preconceit­os, porém, dado que o caminho da proibição pura e simples se encontra esgotado.

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