Latifúndios urbanos de São Paulo devem um novo hospital em IPTU
Cem maiores terrenos desocupados equivalem a 6 parques Ibirapuera e dívida é de R$ 180 milhões
Áreas maiores que a do Pacaembu são empresa falida e antiga fábrica por exemplo; imóveis podem ser leiloados
Em meio à paisagem apinhada de prédios na maior cidade do Brasil, São Paulo ainda preserva grandes terrenos completamente desabitados. São latifúndios urbanos, muitos deles com dívidas milionárias em impostos.
Somados, os cem maiores terrenos desocupados equivalem a seis parques Ibirapuera e têm uma dívida de IPTU de cerca de R$ 180 milhões, segundo levantamento inédito realizado pela Folha.
O recorte foi feito com base em milhões de imóveis do cadastro de IPTU e inclui apenas terrenos sem nenhuma área construída declarada —todos são de tamanho similar ou maior que o estádio do Pacaembu (cerca de 50 mil m²).
Das cem áreas, 62 têm alguma dívida em IPTU. Os casos são variados, passando por terrenos pertencentes a empresas que faliram e antigas fábricas, disputa por herança, investimentos com fins de especulação imobiliária ou com problemas de contaminação.
Imóveis nesta situação podem ter de pagar imposto mais alto e até ser leiloados, em um último caso. CRECHES E HOSPITAL O pagamento da dívida em IPTU apenas dessas áreas mapeadas pela reportagem seria suficiente para construir 36 creches ou um hospital geral com mais de 250 leitos, como o que está em construção em Parelheiros, no extremo sul.
Apenas um desses terrenos, de 50 mil m², na avenida João Dias, Santo Amaro (zona sul), tem R$ 48 milhões registrados na dívida ativa em IPTU —a área avaliada em R$ 100 milhões pela prefeitura.
“Aí era uma indústria química, a Squibb, que fechou. Depois abriu outra. Mas faz uns 20 anos que está desocupado, com a área contaminada”, diz o borracheiro Pedro Petrucio, 65, que trabalha há 40 anos em frente ao imóvel.
O lugar foi comprado pela multinacional imobiliária, a Tishman Speyer, que atua para descontaminar o solo e construir um residencial. A empresa diz estar quitando as dívidas (leia texto ao lado).
Outra empresa de origem estrangeira, a Tiner, de Portugal, possui dois terrenos entre 2. Dívidas com a prefeitura Entre os cem terrenos ociosos, 62 devem IPTU ao município. As dívidas totalizam R$ 180 milhões, o suficiente para construir um hospital com 250 leitos 3. Os maiores devedores As dez maiores dívidas são de terrenos que, juntos, equivalem a um parque Ibirapuera os dez maiores devedores. A empresa chegou com proposta de investimento bilionário no país, adquirindo uma vasta carteira de terrenos para a construção de condomínios. Alguns deles permanecem até hoje desocupados.
Apenas uma dessas propriedades tem mais de 150 mil m², no Jardim Sabará (zona sul), e ostenta dívida de R$ 5,3 milhões em IPTU. Ali costumava funcionar a antiga fábrica de televisores Telefunken.
“Uma área como essa deveria ter uma melhor utilização”, diz o vereador Rodrigo Goulart (PSD), com reduto eleitoral naquela região.
Ele propõe a desapropriação do local e a construção de um grande parque linear.
Um condomínio que nunca saiu do papel fica em região nobre, ao lado do Parque Burle Marx, na zona sul. Lançado em 2013, a promessa era que o Parque Global fosse o segundo maior bairro projetado, atrás apenas do Jardim das Perdizes (zona oeste). Mas a obra foi embargada em 2014 por questões ambientais.
Mais de 300 pessoas compraram os apartamentos, e o grupo Bueno Netto, idealizador do projeto, estima o prejuízo em mais de R$ 130 milhões. No site da prefeitura, constam mais R$ 11,6 milhões em dívida de IPTU.
Além do prejuízo à arrecadação da prefeitura, os terrenos ociosos trazem impacto urbanístico, dizem especialistas. Muitos deles ficam em regiões com oferta de transporte e equipamentos públicos, e poderiam, por exemplo, dar lugar a moradia. A área dos cem maiores terrenos é superior à bairros como Moema, Tucuruvi e Pinheiros —seria suficiente para a construção de condomínios verticais para 250 mil famílias. PROGRESSIVO O urbanista Renato Cymbalista lembra que, a depender do tamanho da dívida em relação ao valor do terreno, a Prefeitura de São Paulo pode agir de maneira progressiva para forçar o seu pagamento.
Em última instância, o terreno poderia, inclusive, ser expropriado em casos de abandono para se tornar um espaço público, com moradias ou parques. “Esses terrenos podem ter potencial para que a prefeitura aplique suas políticas públicas.”
Quem não paga as dívidas é inscrito na dívida ativa —isso pode levar até a penhora de bens para quitação do débito. Porém, o município também tem um instrumento para evitar a violação do uso social dos imóveis. É o IPTU progressivo. Quando um terreno é notificado como subutilizado, a alíquota, de 1%, vai subindo até o teto de 15%. Depois disso, é possível que haja até desapropriação do imóvel.
Mas a ferramenta não vale para toda a cidade —é aplicável em zonas especiais e em determinadas prefeituras regionais, como a Sé e Mooca.
Na gestão João Doria (PSDB), despencou o número de notificações de ociosidade —passaram de 690 em 2016 para 62 entre janeiro e novembro de 2017. As notificações são a primeira fase para que possam ser aplicadas alíquotas maiores aos contribuintes.