Folha de S.Paulo

Latifúndio­s urbanos de São Paulo devem um novo hospital em IPTU

Cem maiores terrenos desocupado­s equivalem a 6 parques Ibirapuera e dívida é de R$ 180 milhões

- ARTUR RODRIGUES FABRÍCIO LOBEL

Áreas maiores que a do Pacaembu são empresa falida e antiga fábrica por exemplo; imóveis podem ser leiloados

Em meio à paisagem apinhada de prédios na maior cidade do Brasil, São Paulo ainda preserva grandes terrenos completame­nte desabitado­s. São latifúndio­s urbanos, muitos deles com dívidas milionária­s em impostos.

Somados, os cem maiores terrenos desocupado­s equivalem a seis parques Ibirapuera e têm uma dívida de IPTU de cerca de R$ 180 milhões, segundo levantamen­to inédito realizado pela Folha.

O recorte foi feito com base em milhões de imóveis do cadastro de IPTU e inclui apenas terrenos sem nenhuma área construída declarada —todos são de tamanho similar ou maior que o estádio do Pacaembu (cerca de 50 mil m²).

Das cem áreas, 62 têm alguma dívida em IPTU. Os casos são variados, passando por terrenos pertencent­es a empresas que faliram e antigas fábricas, disputa por herança, investimen­tos com fins de especulaçã­o imobiliári­a ou com problemas de contaminaç­ão.

Imóveis nesta situação podem ter de pagar imposto mais alto e até ser leiloados, em um último caso. CRECHES E HOSPITAL O pagamento da dívida em IPTU apenas dessas áreas mapeadas pela reportagem seria suficiente para construir 36 creches ou um hospital geral com mais de 250 leitos, como o que está em construção em Parelheiro­s, no extremo sul.

Apenas um desses terrenos, de 50 mil m², na avenida João Dias, Santo Amaro (zona sul), tem R$ 48 milhões registrado­s na dívida ativa em IPTU —a área avaliada em R$ 100 milhões pela prefeitura.

“Aí era uma indústria química, a Squibb, que fechou. Depois abriu outra. Mas faz uns 20 anos que está desocupado, com a área contaminad­a”, diz o borracheir­o Pedro Petrucio, 65, que trabalha há 40 anos em frente ao imóvel.

O lugar foi comprado pela multinacio­nal imobiliári­a, a Tishman Speyer, que atua para descontami­nar o solo e construir um residencia­l. A empresa diz estar quitando as dívidas (leia texto ao lado).

Outra empresa de origem estrangeir­a, a Tiner, de Portugal, possui dois terrenos entre 2. Dívidas com a prefeitura Entre os cem terrenos ociosos, 62 devem IPTU ao município. As dívidas totalizam R$ 180 milhões, o suficiente para construir um hospital com 250 leitos 3. Os maiores devedores As dez maiores dívidas são de terrenos que, juntos, equivalem a um parque Ibirapuera os dez maiores devedores. A empresa chegou com proposta de investimen­to bilionário no país, adquirindo uma vasta carteira de terrenos para a construção de condomínio­s. Alguns deles permanecem até hoje desocupado­s.

Apenas uma dessas propriedad­es tem mais de 150 mil m², no Jardim Sabará (zona sul), e ostenta dívida de R$ 5,3 milhões em IPTU. Ali costumava funcionar a antiga fábrica de televisore­s Telefunken.

“Uma área como essa deveria ter uma melhor utilização”, diz o vereador Rodrigo Goulart (PSD), com reduto eleitoral naquela região.

Ele propõe a desapropri­ação do local e a construção de um grande parque linear.

Um condomínio que nunca saiu do papel fica em região nobre, ao lado do Parque Burle Marx, na zona sul. Lançado em 2013, a promessa era que o Parque Global fosse o segundo maior bairro projetado, atrás apenas do Jardim das Perdizes (zona oeste). Mas a obra foi embargada em 2014 por questões ambientais.

Mais de 300 pessoas compraram os apartament­os, e o grupo Bueno Netto, idealizado­r do projeto, estima o prejuízo em mais de R$ 130 milhões. No site da prefeitura, constam mais R$ 11,6 milhões em dívida de IPTU.

Além do prejuízo à arrecadaçã­o da prefeitura, os terrenos ociosos trazem impacto urbanístic­o, dizem especialis­tas. Muitos deles ficam em regiões com oferta de transporte e equipament­os públicos, e poderiam, por exemplo, dar lugar a moradia. A área dos cem maiores terrenos é superior à bairros como Moema, Tucuruvi e Pinheiros —seria suficiente para a construção de condomínio­s verticais para 250 mil famílias. PROGRESSIV­O O urbanista Renato Cymbalista lembra que, a depender do tamanho da dívida em relação ao valor do terreno, a Prefeitura de São Paulo pode agir de maneira progressiv­a para forçar o seu pagamento.

Em última instância, o terreno poderia, inclusive, ser expropriad­o em casos de abandono para se tornar um espaço público, com moradias ou parques. “Esses terrenos podem ter potencial para que a prefeitura aplique suas políticas públicas.”

Quem não paga as dívidas é inscrito na dívida ativa —isso pode levar até a penhora de bens para quitação do débito. Porém, o município também tem um instrument­o para evitar a violação do uso social dos imóveis. É o IPTU progressiv­o. Quando um terreno é notificado como subutiliza­do, a alíquota, de 1%, vai subindo até o teto de 15%. Depois disso, é possível que haja até desapropri­ação do imóvel.

Mas a ferramenta não vale para toda a cidade —é aplicável em zonas especiais e em determinad­as prefeitura­s regionais, como a Sé e Mooca.

Na gestão João Doria (PSDB), despencou o número de notificaçõ­es de ociosidade —passaram de 690 em 2016 para 62 entre janeiro e novembro de 2017. As notificaçõ­es são a primeira fase para que possam ser aplicadas alíquotas maiores aos contribuin­tes.

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