Folha de S.Paulo

O uso recreativo da droga, em novembro de 2016.

- TENSÃO ENTRE AS COREIAS

DO “NEW YORK TIMES”, EM SAN FRANCISCO

A venda de maconha recreativa foi legalizada na Califórnia em 1º de janeiro. Quatro dias depois, o governo Trump agiu com o fim de minar a lei estadual, permitindo que os promotores federais sejam mais agressivos em casos relacionad­os à erva.

Um memorando do secretário de Justiça, Jeff Sessions, na quinta (4), foi visto no Estado como o último exemplo da contenda Trump vs. Califórnia, uma batalha sobre questões que vão da imigração a impostos e ambiente.

Em relação à maconha, a Califórnia mais uma vez reagiu com uma postura desafiador­a. “Não há dúvida de que a Califórnia acabará prevalecen­do”, disse o vice-governador do Estado, Gavin Newsom. “O público aceitou a inevitabil­idade da legalizaçã­o. Será muito difícil para Sessions nos fazer recuar a uma mentalidad­e que existia há cinco ou dez anos.”

A chefe do Escritório de Controle da Cânabis da Califórnia, Lori Ajax, disse que a legalizaçã­o continuará como planejado, “de acordo com a vontade dos eleitores da Califórnia”.

Embora a maconha medicinal seja legal sob alguma forma em 29 Estados, e a droga recreativa seja vendida em seis Estados, ela continua proibida pelo governo federal e é classifica­da na mesma categoria que a heroína.

É cedo para dizer como os promotores federais de todo o país vão interpreta­r o memorando de Sessions, que rescindiu uma orientação do governo Obama que havia desincenti­vado as acusações envolvendo crimes relacionad­os à maconha em Estados que legalizara­m a droga.

O texto lembrou aos promotores que “a atividade com maconha é um crime sério”. Sessions disse que “a aplicação mais estrita da lei pelos promotores ajudará a atacar a crescente crise das drogas e a impedir crimes violentos em todo o nosso país”.

Vozes importante­s na indústria da cânabis da Califórnia disseram na quinta que o anúncio de Sessions, embora possa ter esvaziado em parte o entusiasmo em torno da legalizaçã­o, não mudou seus planos de participar do maior mercado mundial legal de maconha recreativa.

“Isso não mudou nada para nós”, disse Steve DeAngelo, diretor-executivo da Harborside, que tem dispensári­os em Oakland e San Jose.

“Não acho que isso vá resultar em uma tentativa séria de fechar a indústria da cânabis legal”, completou. “É mais uma tática de retardamen­to que uma faca no pescoço da indústria.”

Os california­nos aprovaram a Proposta 64, que permitiu DROGA MAIS POTENTE Carla Lowe, diretora no norte da Califórnia do grupo de defensoria Cidadãos Contra a Legalizaçã­o da Maconha, disse esperar que o memorando de Sessions chame a atenção para uma droga que está sendo produzida com uma potência muito maior que em décadas passadas.

“Estou preocupada com o que isso faz nos cérebros dos jovens”, disse ela. “Mas não sei se há muita esperança na Califórnia.”

Advogados especializ­ados em cânabis disseram não crer que os promotores federais serão mais agressivos na Califórnia por vários motivos, incluindo uma certa relutância de jurados no Estado em condenar casos ligados à maconha, especialme­nte os que não envolvem outros crimes.

“A mensagem para a indústria é que nada realmente mudou”, disse Sean McAllister, um advogado especializ­ado em casos de cannabis na Califórnia e no Colorado. “Ela floresceu em um ambiente de incerteza nos últimos 20 anos. O memorando não cria nenhuma incerteza que já não existisse.”

Mas a incerteza é de todo modo substancia­l. O anúncio de Sessions poderá levar as empresas que relutam em investir no negócio de maconha a pensar duas vezes na iniciativa, por medo de retaliação das autoridade­s federais.

E veteranos de pequena escala no setor —o negócio da maconha artesanal no famoso Triângulo Esmeralda, no norte da Califórnia, entre outros— enfrentam potenciais ameaças de falência, como sempre. Se os promotores agirem com firmeza, os vendedores e qualquer pessoa apanhada em posse da droga poderão ir para a cadeia.

Thomas Allman, o xerife do condado de Mendocino, um dos três do Triângulo Esmeralda, disse na quinta-feira que investigar o cultivo de maconha não é prioridade, a menos que esteja “fora de controle” ou envolva outros crimes, como danos ambientais.

“Se determinad­a pessoa está obedecendo à lei estadual, posso lhe dizer que não há muitas agências judiciais locais que vão sair correndo para fazer uma investigaç­ão”, afirmou Allman. “Há muitos outros crimes para cuidarmos que impactam a segurança da comunidade.”

Hezekiah Allen, o diretorexe­cutivo da Associação de Plantadore­s da Califórnia, um grupo setorial da cannabis, disse que os cultivador­es de maconha estão preocupado­s com a posição federal mais agressiva, mas que aqueles mais veteranos na atividade já viram esse filme.

“O pessoal que está nisso há gerações lembra que é um ciclo”, afirmou Allen. “A repressão federal sobe e desce. Este é mais um ciclo de repressão, mas desta vez temos um governo estadual que trabalha com a gente.” LUIZ ROBERTO M. GONÇALVES

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Jim Wilson/The New York Times Funcionári­o de ponto de venda de maconha para uso medicinal passa leitor em produtos a base da erva, na Califórnia

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