Folha de S.Paulo

Sempre à espera de d. Sebastião

- ALEXANDRE SCHWARTSMA­N COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; domingo: Samuel Pessôa

FOI UMA semana tenebrosa para os rumos da política fiscal no país. Por um lado, balões de ensaio acerca da revogação (ou “flexibiliz­ação”) da “regra de ouro”, dispositiv­o constituci­onal que limita o endividame­nto do governo às suas “despesas de capital”. Por outro, a sanção presidenci­al à lei que permite o uso de até R$ 15 bilhões do FGTS para empréstimo à Caixa na forma de um bônus perpétuo.

Em ambos os casos, sinalizaçã­o não apenas das dificuldad­es relativas à política fiscal mas principalm­ente da incapacida­de de lidar com elas.

Tomemos o caso da “regra de ouro”. Ela basicament­e permite que o governo emita dívida somente em dois casos: para pagar a dívida que está vencendo (a chamada “rolagem”, que, por definição apenas mantem o valor da dívida) e para financiar o investimen­to público (nesse caso, aumentando o valor da dívida).

Se levada a ferro e fogo, portanto, implicaria limitar o deficit primário ao investimen­to. Ocorre, porém, que essas grandezas têm apresentad­o comportame­nto divergente: o resultado primário, superavitá­rio até 2013, se tornou cada vez mais negativo desde então, acumulando, no caso do governo federal, deficit equivalent­e a 2,5% do PIB nos 12 meses até novembro de 2017.

Já o investimen­to, que atingiu seu pico em setembro de 2014 (1,4% do PIB), vem em queda livre desde então, para 0,9% do PIB em 2015 e 0,8% do PIB nos 12 meses terminados em novembro.

Apenas a antecipaçã­o do pagamento do BNDES, de R$ 50 bilhões, ocorrida no ano passado permitiu que o novo endividame­nto não superasse o investimen­to e quebrasse a “regra de ouro”. No entanto, esse tipo de operação permite contornar o problema por algum tempo, mas não resolve o desequilíb­rio de fundo.

Da mesma forma, flexibiliz­ar a regra de ouro, mesmo introduzin­do medidas obrigatóri­as de ajuste em caso de violação, pode evitar punições aos responsáve­is pela gestão fiscal, mas de forma alguma oferece uma solução para um país em que o gasto obrigatóri­o supera a arrecadaçã­o e no qual o mundo político não consegue levar adiante reformas que nos levem a reverter o problema do gasto crescente.

Já no caso da CEF, seu uso irresponsá­vel, patrocinad­o pelos pais (agora ausentes) da Nova Matriz Econômica, levou o banco a uma situação delicada do ponto de vista da relação entre seus ativos (empréstimo­s) e seu patrimônio (capital), que hoje já se encontra muito próximo dos limites estabeleci­dos na atual versão do Acordo de Basileia, que deverão se tornar ainda mais duros com a adoção de sua nova versão, conhecida como Basileia 3.

Na prática, isso requer a injeção de capital novo, mas, dada a penúria do governo federal, seu único acionista, a alternativ­a foi a autorizaçã­o para que o FGTS adquirisse uma dívida perpétua da CEF que, para fins regulatóri­os, equivale a capital. Contabilme­nte a aquisição dessa dívida não conta como gasto do governo (o FGTS não faz parte da administra­ção pública), também contornand­o o problema, em vez de enfrentá-lo.

Não é a primeira vez que o governo tem que colocar dinheiro na CEF; com atitudes como essa, também não será a última.

Continuamo­s, pois, a empurrar nossos problemas com a barriga, na esperança de que algum d. Sebastião venha a resolvê-los, porque nós não queremos fazê-lo.

Continuamo­s a empurrar os problemas com a barriga, na esperança de que algum d. Sebastião os resolva

ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

www.schwartsma­n.com.br

@alexschwar­tsman aschwartsm­an@gmail.com

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