Folha de S.Paulo

Território alheio

Por mais infeliz que possa parecer a escolha, Justiça não deve interferir na nomeação de ministros de Estado, uma prerrogati­va do Executivo

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Está claro, a esta altura, que o governo Michel Temer (MDB) sujeitou-se a constrangi­mentos desnecessá­rios ao escolher a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) para o cargo de ministra do Trabalho.

Não apenas pelo fisiologis­mo mais tacanho —o objetivo básico da indicação era manter as boas relações com o cacique petebista Roberto Jefferson, pivô do escândalo do mensalão e pai da nomeada.

Adicionalm­ente, logo se descobriu que a parlamenta­r já havia sido condenada por violar a CLT na contrataçã­o de um motorista.

Na sequência da repercussã­o negativa do episódio, a Justiça Federal do Rio de Janeiro suspendeu a posse de Cristiane Brasil citando o artigo 37 da Constituiç­ão, que elenca a moralidade como princípio da administra­ção pública.

Por compreensí­vel que seja o mal-estar com a escolha do governo, o caminho judicial para lidar com a questão se mostra perigoso.

A liminar concedida expande em demasia os limites subjetivos dentro dos quais a Justiça pode interpreta­r a Carta, interferin­do no princípio da separação dos Poderes.

O artigo 37 também diz que a eficiência deve pautar a gestão do Estado. Isso significa que juízes podem suspender medidas do governo que considerem ineficient­es?

Como bem observou a professora Eloísa Machado de Almeida, da FGV, em artigo publicado por esta Folha, a moralidade ali mencionada não deve ser entendida como categoria aberta que tudo admite.

Ao contrário, a própria Constituiç­ão explicita, em vários outros artigos, os parâmetros pelos quais esse conceito se materializ­a.

Em relação à nomeação de ministros, o texto não estabelece nenhuma exigência além da idade mínima de 21 anos e do pleno gozo dos direitos políticos. A decisão é prerrogati­va do Executivo, por mais infeliz que possa parecer.

Uma combinação de fragilidad­e governamen­tal e desgaste da política tem levado o Judiciário a ocupar espaços dos quais deveria guardar prudente distância.

Valendo-se de leituras muito particular­es das normas legais —e não raro movidos por clamores da opinião pública ou mesmo alaridos ocasionais inflados por militantes—, magistrado­s invadem território­s dos demais Poderes.

O próprio Supremo Tribunal ajudou a abrir a caixa de Pandora quando impediu a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa Civil do governo Dilma Rousseff, para nem mencionar outras decisões casuística­s acerca de prisões e afastament­os de autoridade­s.

É certamente difícil dispor de poder e renunciar a exercê-lo, mas tal autoconten­ção está entre as capacidade­s dos melhores juízes.

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