Folha de S.Paulo

Caldeirão dos sonhos

-

Sempre houve motivos para duvidar das chances eleitorais de Luciano Huck. Faltam fundo partidário, tempo de propaganda oficial na TV, mobilizaçã­o para rebater a fúria dos bolsominio­ns nas redes sociais e para impedir que a eleição vire um plebiscito sobre a Rede Globo. Desde domingo, essas dúvidas ganharam força.

O Faustão cravava 20 pontos de audiência quando veiculou cenas de Huck e Angélica discutindo política. Isso equivale a 14 milhões de telespecta­dores.

Huck fez uma referência genérica à corrupção, mas não ofereceu substância. Os 14 milhões continuam sem saber qual é a sua agenda. Em vez disso, Huck usou e abusou de um verbo que gosta de repetir cada vez que fala em público: “ressignifi­car”.

Nunca fica claro o que a expressão significa. Sabe-se que virou moeda corrente em grupos de renovação política nascidos no eixo Leblon-Vila Madalena na esteira do impeachmen­t. Sabe-se também que o mote promove a criação de um novo homem para participar da esfera pública. Mas ninguém explica como.

Huck pode estar só fugindo do confronto, mantendo sua pólvora seca para depois. Mas se comprou a ideia da ressignifi­cação, então cometeu um equívoco.

Em primeiro lugar, a conversa é estéril e rouba o tempo escasso de que ele dispõe para virar o candidato pró-mudança.

Segundo, um Luciano presidente só conseguirá implementa­r uma agenda de reformas se tiver mandato popular claro para barrar os abusos de sua própria base aliada. Os caciques de PPS, DEM, PMDB e PSDB que venham a apoiá-lo não demorarão em cobrar pedágio e tentar barrar reformas. Esse grupo quer de tudo, menos mudança. Trata-se de gente que sobrevive na política distribuin­do privilégio­s a uns poucos grupos de interesse enquistado­s no Estado.

Para sua presidênci­a não ser um fracasso antes de começar, Huck precisaria já de um mote de campanha que fale às claras com o eleitor, sem firula nem confusão. FHC fez suas reformas impondo à própria base aliada a pauta do combate à inflação; Lula fez o mesmo com o combate à desigualda­de. Temer, cuja agenda não foi aprovada nas urnas, não precisa disso: sobrevive graças ao pacto nacional, com o Supremo e com tudo.

A agenda do candidato reformista que o Brasil precisa em 2018 é clara: combate às causas estruturai­s da corrupção endêmica como mecanismo para recuperar o emprego e a renda perdidos.

Sem obter nas urnas um claro mandato popular para implementa­r a dura agenda de mudanças, Huck será engolido pelas velhas raposas da política.

A “ressignifi­cação” é o caminho da derrota.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil