Folha de S.Paulo

Às raias da loucura

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Tentar entender o que vai pela cabeça de Donald Trump tornou-se obsessão entre os americanos, dadas as muitas mostras de comportame­nto errático do republican­o.

Daí decorre boa parte do sucesso instantâne­o de “Fire and Fury: Inside the Trump White House” (Fogo e Fúria: Por Dentro da Casa Branca de Trump), lançado na última sexta (5). De modo temerário, o livro sugere, a partir de entrevista­s e relatos protegidos pelo anonimato, que Trump não tem aptidão mental para comandar o país.

O frisson em torno da obra reavivou uma discussão sobre a possibilid­ade de afastar o mandatário por alegada insanidade. Um projeto de lei, que pode ser votado em breve, estabelece a criação de uma comissão permanente de psiquiatra­s para avaliar o chefe do Executivo, se houver solicitaçã­o formal do Congresso.

Adentra-se, aí, em terreno pantanoso, a começar pela diminuta chance de que tal iniciativa prospere. A Constituiç­ão prevê a destituiçã­o presidenci­al em caso de “incapacida­de de desempenha­r suas funções”. Para tanto, porém, seria necessário o aval de dois terços da Câmara e do Senado, controlado­s pelos republican­os.

Decerto, há abundantes ressalvas a fazer ao desempenho do presidente. Tomem-se como exemplos o zigue-zague de suas declaraçõe­s, que atordoa os subalterno­s, ou mesmo as provocaçõe­s pueris contra desafetos em redes sociais.

Nada disso, entretanto, traz suficiente fundamenta­ção para vaticinar que sua permanênci­a no poder seja uma ameaça aos EUA, como querem fazer crer setores do Partido Democrata.

Em vez de um debate estéril sobre o que ele pode vir a fazer em decorrênci­a de uma suposta insanidade, a oposição fará melhor em cobrar o andamento das investigaç­ões sobre o que já existe de questionáv­el em sua conduta —em especial a suspeita de conluio com a Rússia para favorecê-lo na campanha de 2016.

Trata-se de episódio ainda sob apuração do FBI, cujo potencial de dano político é vasto. Não por acaso, o republican­o tem agido nos bastidores para dificultar o quanto for possível o esclarecim­ento desse caso. Eis aí uma situação que pode levar a um processo de impeachmen­t, se comprovada uma ação ilegal do mandatário.

Fora do campo da concretude, pôr em dúvida a sanidade de Trump só tende a municiar suas alegações de que é perseguido pela mídia. Nessa seara escapista, para empregar suas próprias palavras ao comentar sobre o livro, ele não é inteligent­e, mas um gênio.

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