Folha de S.Paulo

Carga no porto

- JANIO DE FREITAS

HÁ 54 motivos para considerar que se passam impropried­ades camufladas no inquérito sobre o decreto de Michel Temer que beneficiou sobretudo a Rodrimar, entre empresas de serviços portuários, em razão das quais era “o deputado do porto de Santos”. Assinado em maio de 2017, o decreto aumentou de 25 para 35 anos, prorrogáve­is até 70 anos, a concessão de áreas portuárias para exploração particular. Um maná. Sem qualquer causa convincent­e para o privilégio.

Os motivos da série de estranheza­s começam pela substituiç­ão do diretor da Polícia Federal, incumbida de investigar as suspeitas e denúncias surgidas com o decreto. Nem tanto como a troca se deu, no final do ano passado, repentina e sem a participaç­ão do ministro da Justiça. Mas o novo diretor Fernando Segovia mostrou logo um interesse particular pelo inquérito, com providênci­as quase imediatas.

Uma delas, a também repentina substituiç­ão do delegado responsáve­l pelo inquérito. Sem razão publicamen­te conhecida e sem qualquer explicação ao público. Nomeado por Temer, com boa dose de pesar dentro da PF, e por ele festejado na posse, Segovia não faz crer que desejasse um delegado e um inquérito mais eficazes, contra a conveniênc­ia do seu patrono.

O terceiro motivo é a presença, nas tratativas para o decreto, de Rodrigo Rocha Loures. Sim, aquele assessor de Temer filmado pela PF ao receber uma mala com R$ 500 mil. Gravações telefônica­s ligam Loures, empresas portuárias, o teor do decreto e a Presidênci­a. Ou era muito para a competênci­a do delegado anterior do inquérito, ou era demais para o que, em suas mãos, representa­va riscos a Temer.

Parênteses sugeridos pela menção a Loures: dos R$ 500 mil que proviriam de Joesley Batista, o “assessor de total confiança” de Temer tratou de tirar da mala a sua parte, de R$ 35 mil. Correspond­ente à comissão ou remuneraçã­o de 7% por serviço prestado. Logo, os restantes R$ 465 mil são outra parte com outro dono. Quem é? Fácil presumir. Mas não consta que tenha sido questionad­o até agora, passados nove meses da estreia cinematogr­áfica de Loures.

Agora, de uma só vez, 50 motivos —sob as formas de 50 perguntas feitas a Temer pela PF no começo do mês. Relator do caso no Supremo, o ministro Luís Roberto Barroso deu 15 dias para as respostas, até o próximo 19. Mas se desse um só, não seria exigente.

As perguntas, que não temem o ridículo, prestam-se a uma certeza: foram feitas para outro propósito que não o esclarecim­ento policial e judicial. Perguntar a Temer se recebeu pagamento pelo decreto dos portos, se havia o “por fora” de caixa dois em sua campanha, se seus amigos-assessores levaram dinheiro para obter decisões de governo —perguntas assim não querem saber, querem aparência. Mas dizem alguma coisa sobre a substituiç­ão de comando do inquérito policial e ainda do diretor da PF, no final de 2017.

Por fim, o 54º motivo para impropried­ades insinuadas no andar e no desandar do inquérito: se levada a fundo, essa investigaç­ão pode desvendar coisas muito graves e influentes em diversos sentidos.

Gravações telefônica­s ligam Rocha Loures, empresas portuárias, o teor do decreto e a Presidênci­a

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