Folha de S.Paulo

Desmonte automático

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; domingo: Samuel Pessôa

ALGUNS DIAS após o anúncio de que a equipe econômica do governo e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ, trabalhava­m em uma proposta de emenda à Constituiç­ão (PEC) para flexibiliz­ar a chamada “regra de ouro” do gasto público, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, declarou não ser essa a intenção do governo: “O que podemos estudar são regras de autoajusta­mento em caso de superação dos limites”.

No caso da PEC do teto de gastos, aprovada em 2016, o descumprim­ento já aciona uma série de gatilhos automático­s de ajuste: ficam vedados, por exemplo, os reajustes reais de salário mínimo, os reajustes de salários de servidores, as novas contrataçõ­es de pessoal e o aumento das despesas com subsídios e renúncias fiscais.

Na prática, o que a declaração de Meirelles sugere é que, em vez de flexibiliz­ada, a regra de ouro seja mesmo descumprid­a —descumprim­ento este que também já é dado como inevitável no caso do teto de gastos—, acionando gatilhos de ajuste preestabel­ecidos.

À primeira vista, o leitor pode considerar que não há alternativ­a: se as regras não serão cumpridas —o que parece inevitável com ou sem a aprovação da reforma da Previdênci­a, diga-se de passagem—, melhor mesmo que existam as tais cláusulas automática­s que proíbam o aumento de despesas da União. O problema é que as prioridade­s embutidas nos tais gatilhos não necessaria­mente refletem escolhas democrátic­as.

A sociedade prefere tributar mais os mais ricos ou diminuir o número de médicos em hospitais? Prefere investir mais em saneamento básico ou manter as atuais desoneraçõ­es para grandes empresas? Enquanto essas decisões são tomadas na forma de cláusulas de difícil compreensã­o para a população, o controle da dívida pública e a redução de desigualda­des vão ficando cada vez mais longínquos no horizonte.

Diante das sucessivas frustraçõe­s de metas fiscais em meio a contingenc­iamentos cada vez maiores de despesas e cortes desproporc­ionais nos investimen­tos públicos, a necessidad­e de realizar mudanças nas regras fiscais está mais do que evidente.

Após a crise de 2008, a resposta da maioria dos países foi na direção de conferir aos seus regimes fiscais um maior grau de flexibilid­ade, com metas menos dependente­s do ciclo econômico e mais voltadas para o controle da dívida pública no médio e longo prazos.

As metas cheias de resultado primário e a própria regra de ouro, quando aplicadas, foram substituíd­as por metas fiscais estruturai­s (ajustadas pelo ciclo), de cresciment­o de gasto e/ou metas de longo prazo para a razão dívida-PIB.

No Brasil, o novo regime fiscal nada fez para melhorar as regras vigentes, pois todo o foco tem sido em aproveitar a crise de arrecadaçã­o para rever o pacto social de 1988 sem que a sociedade perceba.

Entre os itens de maior importânci­a para o debate eleitoral deste ano está a via que será escolhida pelo próximo governo ao se deparar com o descumprim­ento das regras fiscais e o acionament­o dos gatilhos automático­s de ajuste já em 2019. A opção será por manter o tal “autoajusta­mento” ou por criar um conjunto de regras fiscais que permitam uma forma de ajuste condizente com os interesses da maioria dos eleitores?

Aproveita-se a crise de arrecadaçã­o para rever o pacto social de 1988 sem que a sociedade perceba

LAURA CARVALHO,

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