Folha de S.Paulo

NADA MUDOU NAS MASMORRAS

Um ano após matança de 126 presos em três Estados, falta de estrutura e superlotaç­ão persistem —como 9 mortes em GO dias atrás; mutirão de Cármen Lúcia não mudou quadro

- FABIANO MAISONNAVE

Sistemas penitenciá­rios superlotad­os, facções criminosas, infraestru­tura precária, fugas e mortes. Um ano depois dos massacres e confrontos em série que mataram 126 detentos em suas prisões, Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte continuam longe de resolver seus principais problemas carcerário­s.

Nem o alardeado grupo de trabalho anunciado pela ministra Cármen Lúcia (presidente do STF) como ação emergencia­l após aquela matança de 2017 mudou o quadro dos presídios no país.

Nesta semana, por exemplo, a própria ministra, por alegadas questões de segurança, teve de cancelar uma visita ao Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, onde uma rebelião na virada do ano deixou 9 mortos e 14 feridos.

“A gente ainda precisa cumprir Constituiç­ão do Império, que já dizia que não podia haver superlotaç­ão, que os presos tinham de ser separados por crime”, afirma o juiz Luís Carlos Valois, da Vara de Execução Penal de Manaus. “É difícil falar de evolução em um sistema que não tem o básico de uma vaga para cada preso”. completa.

Valois participou das negociaçõe­s para a retomada do Compaj (Complexo Penitenciá­rio Anísio Jobim), onde 59 detentos foram mortos durante o Ano-Novo de 2017 —o maior massacre de presos desde o Carandiru, em 1992.

O banho de sangue foi atribuído à facção criminosa Família do Norte (FDN), em ação contra a rival Primeiro Comando da Capital (PCC).

Desde então, o número de presos diminuiu no Compaj de 1.224 para 996 internos, mas a capacidade é para 454.

Um dos motivos é que, dos 225 que escaparam durante o massacre, 63 continuam foragidos. Houve também transferên­cias para outros Estados e mutirões do Judiciário, além da inauguraçã­o de um novo presídio em Ma- naus, com 574 vagas.

No Compaj, relata Valois, as regras ficaram mais rígidas, com a diminuição dos tempos de banho de sol e visita. Por outro lado, diz, não há políticas de reinserção: “Os presos continuam sem trabalho, sem estudo, sem atividade”.

Atualmente, o sistema prisional opera com pouco mais do dobro de sua capacidade, segundo a Secretaria Estadual de Administra­ção Penitenciá­ria, em cálculo que exclui presos em regime aberto. A previsão é que a taxa de ocupação caia para 75% até 2020, com a criação de 822 vagas.

Ao longo de 2017, o Amazonas continuou registrand­o mortes e fugas. Em abril, sete presos foram mortos em outra unidade de Manaus. No Ano-Novo, dez fugiram do presídio de Coari (a 366 km de Manaus), três foram pegos.

Nas ruas, afirma o secretário de Segurança Pública, Bosco Saraiva, divisões internas da FDN têm provocado violência e explicaria­m a chacina que deixou seis mortos em um campo de futebol em bairro berço da facção. “Em Manaus, 90% dos homicídios são resultado de disputa de mercado. Um sempre tenta avançar no território do outro, é uma luta permanente. Não é no Amazonas, é no Brasil”, diz.

O secretário, que assumiu em outubro, disse que houve uma redução de 10% nos assassinat­os no último bimestre do ano passado, em comparação com 2016. Ele atribui a queda à estratégia de reforçar o patrulhame­nto em Manaus. RORAIMA Em Boa Vista (RR), a Penitenciá­ria Agrícola de Monte Cristo foi palco da terceira maior matança em presídios do país —33 mortos em 6 de janeiro de 2017, quatro dias após o massacre em Manaus.

Segundo o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciá­rios de Roraima, Lindomar Ferreira Sobrinho, as mudanças positivas desde então foram a transferên­cia de presos ligados à facção Comando Vermelho (adversária do PCC e aliada da FDN) e a destruição de um conjunto de barracos que abrigava dezenas de presos na unidade.

As condições precárias, porém, continuam. No último dia 14 de dezembro, os presos da Monte Cristo realizaram um motim depois de ficarem sem receber comida. Na confusão, um detento foi morto por enforcamen­to.

Ferreira Sobrinho disse que a prioridade em Roraima deveria ser a construção de um presídio moderno para substituir Monte Cristo, considerad­a insegura e irrecuperá­vel: “As paredes estão ultrapassa­das, podres, caindo”.

A Folha solicitou reiteradas vezes ao governo de Roraima números sobre a população prisional do Estado, mas não obteve resposta.

O sindicato dos agentes penitenciá­rios informou que Monte Cristo abriga atualmente 1.229 presos, embora tenha 790 vagas. Na época do massacre, havia quase 1.500. RIO GRANDE NORTE Durante os 22 dias com policiais em greve por atrasos de salários, o Rio Grande do Norte precisou recorrer às Forças Armadas pela terceira vez em menos de dois anos para controlar a violência nas ruas.

Dessa vez, o descontrol­e não chegou à penitenciá­ria de Alcaçuz, em Nísia Floresta, na Grande Natal, que registrou 26 mortos em janeiro de 2017, em meio a motim que durou 13 dias. Na época, os militares também foram acionados.

Hoje, o local abriga cerca de 1.200 presos, aproximada­mente o mesmo número de um ano atrás, segundo a Secretaria Estadual de Justiça. A capacidade é para 620.

“É uma completa omissão em relação ao fazer segurança pública, simplesmen­te vista como imposição e manutenção da ordem, não importa como”, afirma o sociólogo Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, sobre a crise do Estado.

Lima criticou a atuação do desembarga­dor Claudio Santos. No dia 31, ele determinou que os comandante­s da PM, dos bombeiros e da Polícia Civil prendam em flagrante agentes da segurança envolvidos na paralisaçã­o, desatada pelo atraso nos salários.

“O desembarga­dor que falou que policial tem de trabalhar independen­temente de salário ganhou, no mês passado, R$ 152 mil. O Judiciário tem vivido um mundo descolado da realidade”, afirmou.

Lima tampouco fez um balanço positivo do grupo de trabalho criado em março pela presidente do STF, Cármen Lúcia, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com o objetivo de monitorar as condições dos presídios.

“A agenda do CNJ ficou relegada a um segundo plano, e a questão carcerária, por conseguint­e, também”, afirmou. “O grupo de trabalho pode ter indicado boas ações, mas, sem prioridade política e planejamen­to de médio prazo, o resultado ainda não se mostrou presente.”

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Victor Moriyama itens recolhidos no presídio de Alcaçuz, no RN, após rebelião com mortos um ano atrás
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