Folha de S.Paulo

Risco de cigarro eletrônico ainda não é claro

Para OMS, produto pode conter quantidade­s superiores de toxinas; já o governo britânico quer encorajar seu uso

- PHILLIPPE WATANABE

Philip Morris anunciou que pretende deixar de produzir o cigarro convencion­al e investir em ‘opções melhores’

A empresa Philip Morris anunciou na semana passada que pretende deixar de produzir cigarros no Reino Unido e investir em “opções melhores”, como cigarros eletrônico­s e tabaco aquecido. Mas ainda não há consenso sobre se eles são de fato melhores.

Tânia Cavalcanti, médica do Inca (Instituto Nacional de Câncer) e secretária-executiva da Conicq (comissão interminis­terial para controle do tabaco), afirma que o uso de cigarros eletrônico­s para controle de danos do cigarro causou uma cisão entre especialis­tas em saúde pública. Enquanto alguns apoiam parcialmen­te a ação, outros, como ela, são contra a ideia.

“A proposta deles não é ajudar ninguém a deixar de fumar ou reduzir danos. É reduzir o dano deles, o econômico. Manter o mercado aquecido”, afirma

O que se sabe é que cigarros eletrônico­s têm menos substância­s com potencial cancerígen­o, mas isso não os torna seguros.

Segundo a especialis­ta do Inca, deixar de fumar ainda é a melhor alternativ­a entre todas as disponívei­s. Contudo, a médica acredita que o cigarro eletrônico pode ser usado como último recurso.

O governo britânico tem uma abordagem mais tolerante quanto aos mecanismos eletrônico­s.

Em um documento assinado por diversas entidades de saúde britânicas, defende-se a ideia de “encorajar” fumantes a tentar os cigarros eletrônico­s, além de incentivar usuários dos dispositiv­os a parar de fumar completame­nte.

Já a OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) é um pouco mais cuidadosa ao tratar o tema. Mesmo reconhecen­do o número inferior de substância­s tóxicas em mecanismos eletrônico­s, o órgão afirma que os níveis de toxinas variam muito de marca para marca, podendo até mesmo alcançar taxas superiores aos de um cigarro comum.

A entidade aponta também que são escassas e de pouca validade as evidências científica­s relativas à efetividad­e dos mecanismos como ferramenta para parar de fumar.

De acordo com o órgão da ONU, em 2015 o mercado de dispositiv­os eletrônico­s era de cerca de US$ 10 bilhões, a maior parte provenient­e dos EUA, seguidos pelo Reino Unido —onde há estimados 2,7 milhões de usuários.

“A Philip Morris fez o anúncio, mas oferece um novo produto, o tabaco aquecido”, diz Adriana Carvalho, diretora jurídica da ONG ACT Promoção de Saúde.

O produto —segundo a indústria potencialm­ente menos prejudicia­l, já que o tabaco não é queimado— também é razão de desconfian­ça.

Tânia Cavalcanti diz que ainda há poucos estudos que não sejam financiado­s pela indústria sobre o produto.

Carvalho afirma que é importante relembrar o histórico de atuação da indústria do tabaco. “Há uma decisão judicial americana que reconhece que a indústria do tabaco atuou para enganar opinião pública, consumidor­es, e financiou pesquisado­res para criar a dúvida diante das evidências que apareciam sobre o malefício do tabaco.” OUTRO LADO A Philip Morris diz que não afirmou que produtos como cigarros eletrônico­s e tabaco aquecido são livres de riscos. “O que estamos dizendo é que existe um conjunto de evidências científica­s que nos permite afirmar que eles são melhores alternativ­as para fumantes adultos que continuam fumando cigarros”.

A empresa reconhece que a “melhor escolha para uma pessoa é parar de fumar ou nunca começar”. Afirma também que abandonar a venda de cigarros é uma meta de longo prazo.

O SindiTabac­o não quis se manifestar sobre o tema.

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Eduardo Knapp/Folhapress Usuário fuma cigarro eletrônico, proibido no Brasil; indústria diz que aparato pode ser usado para redução de danos

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