Folha de S.Paulo

CRÍTICA ‘Ferdinando’ é lindo, mas talvez bovino demais

Apesar de resultado gráfico rico e dos personagen­s secundário­s engraçados, falta complexida­de a protagonis­tas

- CHICO FELITTI

FOLHA

“O Touro Ferdinando” é uma história para boi ficar bem acordado. E aprender. A nova animação do estúdio Blue Sky, que fez “A Era do Gelo”, é um conto de aceitação das diferenças.

O Ferdinando do título é um boizinho preto que mora num curral no interior da Espanha. Enquanto os outros bezerros sonham em ganhar arrobas e chifres para lutar melhor, Ferdinando está mais preocupado em cheirar flores.

Até que seu pai é escolhido para enfrentar o toureiro, a glória máxima que pode cair sobre um animal daquele rancho. E já dá para prever quem leva a melhor no embate da natureza contra a cultura.

Ferdinando se vê sozinho. Depois do revés maior, ele consegue fugir e, num golpe de sorte, encontra uma chácara onde se plantam flores e ele pode crescer feliz.

A história terminaria aí, mas uma série de trapalhada­s acaba levando Ferdinando, adulto e com quase uma tonelada de músculos e chifres, de volta ao estábulo da infância —e às touradas de Madri.

Graficamen­te, o longa é um estouro da boiada. A animação é linda e de uma riqueza de detalhes que parece insuperáve­l —até que no ano que vem outro estúdio lance uma ainda mais insuperáve­l.

O roteiro flui com 101 cenas de ação, e a trilha sonora de pop chiclete, com músicas de gente como o rapper Pitbull, também cai como uma sela sob medida numa produção desse tipo.

A dublagem em português, com as vozes de Maísa Silva, Thalita Carauta e Otaviano Costa, é precisa e consegue adaptar bem piadas americanas que não funcionari­am para o Brasil. ÉPICO INOCENTE Mas “Ferdinando”, como um conto, parece ter ficado para trás. Por mais que a animação seja vistosa e cheia de profundida­de, os personagen­s principais são planos. Ferdinando é só bondade. Os touros Guapo e Valente são só ambição. A menina que cria Ferdinando é só amor.

Tudo é ingênuo demais, até para um filme infantil —“Frozen” e “Moana” estão aí para mostrar que cabe complexida­de em animações para as massinhas.

A narrativa do órfão que é criado num ambiente completame­nte distinto do seu e que retorna como o herói da mudança vem dos poemas épicos gregos para cá e já foi bem usada no universo infantil. É uma espécie de “Rei Leão” lançado 20 anos depois do desenho da Disney, só que ainda mais inocente.

O filme é baseado num conto de Munro Leaf da década de 1930. Walt Disney inclusive produziu um desenho de oito minutos em cima do mesmo conto, que ganhou o Oscar de curta em 1939.

O “elenco de apoio”, uma cabra hiperativa, uma gangue de porcos-espinho larápios e um plantel de cavalos narcisista­s com sotaque alemão é de uma graça fora do comum. Esses personagen­s, que não constavam no conto original, mostram até onde o filme poderia ir. Mas não foi.

“Ferdinando”, o filme, é forte e é fofo, assim como o personagem que lhe dá nome. Mas talvez seja bovino demais para crianças nascidas no século 21. (FERDINAND) DIREÇÃO Carlos Saldanha ELENCO Thalita Carauta, Maisa Silva, Otaviano Costa (dubladores) PRODUÇÃO EUA, 2017, livre QUANDO estreia nesta quinta (11) AVALIAÇÃO bom

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil