Folha de S.Paulo

Nunca mais

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Em 1987, ao elaborarmo­s a nova Constituiç­ão, o espírito de época estava associado à expressão “nunca mais”. Que nunca mais houvesse censura, as pessoas pudessem expressar livremente suas ideias, que amarras legais evitassem corrupção e clientelis­mo e que os mais pobres não fossem mais excluídos do acesso à saúde ou à educação.

O constituin­te parece ter redigido a Carta olhando para trás. Houve avanços importante­s, especialme­nte em direitos sociais, mas em alguns temas pensamos mais em evitar problemas passados e menos em construir o futuro, era mais importante garantir o combate à corrupção (que não ocorreu, pois a norma não aprisiona, só por ser editada, uma cultura prevalente) do que dotar a máquina pública de boas condições de prestação de serviços de qualidade.

Ao longo dos anos, a Constituiç­ão foi sendo emendada, para permitir pouco mais de flexibilid­ade e controle social sobre a Administra­ção Pública, mas ainda temos uma máquina pouco azeitada e com enormes dificuldad­es para uma gestão eficiente. A corrupção, no entanto, parece ter se profission­alizado: quanto mais difícil a operação dados os entraves normativos, mais ela prospera.

Vivemos agora um risco parecido com o “Zeitgeist” de 1987. Preparamo-nos para uma nova eleição e parece que novamente olhamos para trás, para o “nunca mais”. Nunca mais corrupção (como desde a campanha da “vassourinh­a” clamamos, sem perceber que os mesmos políticos que gritam contra a prática são os que mais a praticam), nunca mais fisiologis­mo ou acertos na calada da noite.

Sim, precisamos promover ética e transparên­cia na política, mas isso é precondiçã­o, não realização de governo. É fundamenta­l saber que políticas públicas cada candidato a cargo executivo ou legislativ­o propõe para o País.

No livro em que analisa sua campanha (inclusive seus erros), Hillary Clinton mostra como os debates eleitorais da época foram centrados sobretudo na discussão dos e-mails enviados de seu endereço eletrônico pessoal. O presidente eleito dos Estados Unidos praticamen­te não discutiu suas propostas de políticas públicas: o que pretendia fazer com a Educação ou que tipo de estratégia adotaria para diminuir a gritante desigualda­de social do país.

No caso brasileiro, será decisivo saber o que pensam os candidatos sobre a urgência de melhorar a qualidade da educação brasileira, de garantir maior competitiv­idade para a economia, apoiar a pesquisa aplicada, diminuir a desigualda­de social (sem o que não haverá política de segurança pública sustentáve­l) e, finalmente, permitir que entremos todos (sem exclusões) no século 21. Olhar para a frente, afinal temos um país a construir!

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