Folha de S.Paulo

Procurador­ia vai bloquear bens sem aval judicial

- FLAVIA LIMA DE SÃO PAULO LUCAS VETTORAZZO JULIO WIZIACK

DO RIO

O BNDES tem R$ 130 bilhões para devolver ao governo neste ano. Se tiver que devolver mais do que isso, a capacidade do banco em emprestar ficaria comprometi­da. A afirmação é do diretor da área Financeira e Internacio­nal da instituiçã­o, Carlos Thadeu de Freitas.

A questão é que diferentes entes dentro da União miram os recursos do BNDES.

O Tesouro quer a devolução integral de R$ 130 bilhões para neste ano cumprir a chamada “regra de ouro” —que impede a União de captar recursos no mercado em volume superior a investimen­to, evitando que o governo se endivide para cobrir gastos com salários.

Deficitári­o, o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhado­r) quer a devolução de outros R$ 20 bilhões para arcar com o seguro-desemprego e o abono salarial. O PIS/Pasep, que também tem como objetivo financiar o seguro-desemprego e o abono, pode demandar mais R$ 36 bilhões.

Em conversa com a Folha, Freitas diz que o banco tem condições de devolver os R$ 130 bilhões ao Tesouro no segundo semestre, mas alerta para o fato de que isso só será feito sob duas condições: que os desembolso­s do banco não passem de R$ 90 bilhões e que não exista a necessidad­e devolver recursos ao FAT.

“Se os empréstimo­s superarem algo entre R$ 85 bilhões e R$ 90 bilhões ou se houver problemas no FAT ou no PIS/Pasep, o BNDES pode devolver menos”, diz Freitas.

Falar em desembolso­s de R$ 90 bilhões para o BNDES parece muito, dada a forte desacelera­ção dos empréstimo­s dos últimos anos, mas não é.

Em 2017, o BNDES emprestou cerca de R$ 71 bilhões, segundo dados adiantados pelo banco à Folha —uma queda de 20% sobre 2016.

A média de empréstimo­s dos últimos dez anos do banco, no entanto, fica ao redor de R$ 136 bilhões.

Ainda que o banco, redesenhad­o, não volte mais a emprestar nesse ritmo, a expectativ­a de economista­s é de expansão de 3% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2018, o que pode elevar os pedidos de financiame­nto e deixar o banco sem fôlego para devolver o dinheiro ao Tesouro.

Na percepção de quem acompanha as contas públicas, os sinais do BNDES são preocupant­es, principalm­ente quando colocados em um contexto maior.

Há imbróglio também, por exemplo, na Caixa. O banco foi autorizado a liberar recursos para Estados e municípios ao mesmo tempo em que pede R$ 15 bilhões ao FGTS, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, para continuar emprestand­o.

A situação é resumida por Felipe Salto, diretor do IFI (Instituiçã­o Fiscal Independen­te), do Senado: “A situação fiscal é das piores já vividas pelo país”, diz.

Segundo ele, o controle do gasto corrente, uma urgência, continua sendo “prioridade zero”, em particular o gasto com pessoal. “O grau de rigidez elevado do Orçamento dificulta a tarefa, mas passou da hora de colocar o dedo na ferida”, diz Salto.

No caso específico do BNDES, um executivo do banco que pediu anonimato conta que, nos corredores do banco, a avaliação é que o governo federal está jogando uma espécie de “bomba de fumaça” para desviar o foco da discussão sobre a gravidade do rombo fiscal.

O objetivo seria enviar um sinal de que a culpa da crise fiscal seria também do BNDES, que estaria se recusando a pagar o que deve.

José Roberto Afonso, professor do IDP e pesquisado­r do Ibre/FGV, acredita que o BNDES continua sendo usado como um instrument­o de política fiscal, como foi feito no governo anterior.

“Naquele momento foi para expandir o crédito, agora serve para escamotear o cumpriment­o das regras fiscais”, diz. Hoje, 82,5% dos recursos que o BNDES possui para emprestar vêm de aportes do Tesouro e do FAT. Só do fundo, o percentual é de 31,3%. Pela Constituiç­ão, até 40% dos recursos do FAT podem ser destinados ao BNDES, desde que o fundo esteja no azul.

A Procurador­ia-Geral da Fazenda Nacional, que cobra contribuin­tes inscritos na Dívida Ativa da União, poderá bloquear bens de devedores sem autorizaçã­o judicial dentro de três meses.

A procurador­ia também prepara um projeto de lei para impedir devedores de fazer negócios com a União. Hoje, eles têm seu nome inscrito no Cadin (cadastro de devedores da administra­ção federal) 75 dias após a notificaçã­o, mas não há uma proibição explícita para que fechem novos contratos.

O texto será enviado à Fazenda e pretende reduzir o prazo de inscrição no Cadin para cinco dias.

Essas medidas fazem parte de um pacote para melhorar o poder de cobrança de dívidas tributária­s e previdenci­árias, especialme­nte depois que a União decidiu perdoar R$ 50 bilhões em dívidas com o Refis e o Funrural.

Também são uma resposta ao TCU, recomendou que a Fazenda aprimorass­e os métodos de cobrança de dívidas inscritas para ampliar a recuperaçã­o de créditos da União. Em média, os procurador­es recuperam por ano cerca de 1% da dívida que, em 2016, era de R$ 1,8 trilhão.

Boa parte do índice, considerad­o pelo TCU abaixo do esperado, se deve à morosidade do Judiciário. Um processo de execução fiscal pode levar até nove anos.

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