Folha de S.Paulo

Para Walter Jorge João, presidente

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Recém-autorizada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a possibilid­ade de que farmácias e drogarias comerciali­zem e apliquem vacinas tem gerado polêmica entre entidades de saúde. Agora, a discussão pode ir parar na Justiça.

Até então, a oferta desses serviços só era permitida no SUS, por meio de hospitais e unidades de saúde, e em clínicas de vacinação privadas.

Na últimas semanas, porém, a agência decidiu estender a possibilid­ade desse aval também a outros estabeleci­mentos de saúde —incluindo farmácias e drogarias.

A medida faz parte das novas regras para funcioname­nto de serviços de vacinação no país, publicadas no “Diário Oficial da União” no dia 26 de dezembro de 2017.

Entidades que representa­m médicos e clínicas privadas, no entanto, têm reagido contra a ampliação da vacinação para esses locais, alegando que as farmácias não possuem estrutura suficiente para essa atividade.

Também criticam a retirada da obrigatori­edade do médico como responsáve­l técnico por estes serviços.

Para Sidnei Ferreira, diretor do CFM (Conselho Federal de Medicina), a ausência de médicos expõe pacientes a risco e pode dificultar o assistênci­a nos casos de eventos adversos à vacina.

“Não estamos reivindica­ndo que tenha médico na farmácia. O que não queremos é que a farmácia aplique vacinas. Quem decide sobre o atendiment­o em caso de evento adverso é o médico, que é o único capacitado para isso” afirma Ferreira. “Existe um risco de um paciente dizer que está passando mal da vacina, mas está infartando, por exemplo.”

Segundo ele, a autarquia planeja marcar reunião com a Anvisa neste mês para pedir que a norma seja revista. Em nota, o CFM informa que poderá “tomar as medidas judiciais cabíveis caso a situação irregular se mantenha”.

Outras entidades, como a Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizaçõe­s), também reagiram negativame­nte. “O que preocupa é que as regras não estão especifica­das. Em um país como o nosso, podem ser interpreta­das de diversas maneiras”, afirma Isabella Ballalai, da Sbim.

Para ela, seria preciso deixar mais claro em que casos haverá exigência de receita médica, por exemplo, e quais os parâmetros de capacitaçã­o dos profission­ais.“Não pode ser só médico ou só farmacêuti­co. É importante ter profission­ais com formação robusta.”

Outra preocupaçã­o, afirma Isabella, é a estrutura em caso de emergência­s —as novas regras estabelece­m apenas que, além de salas de vacinação, o serviço deve garantir “atendiment­o imediato a intercorrê­ncias”.

“Imagina eu ter um evento adverso em um lugar onde só tem uma sala e um paciente desmaiar e ter um choque anafilátic­o? Nunca vi um, mas pode acontecer”, questiona Isabella. ‘ALCANCE SOCIAL’

ISABELLA BALLALAI

presidente da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizaçõe­s) do CFF (Conselho Federal de Farmácia), a polêmica é “desnecessá­ria”.

“Já existem diretrizes bem definidas para aplicação de vacinas, e eventos adversos são raros”, diz ele, para quem a ausência de médicos não é impeditivo. “Esses serviços já são desenvolvi­dos em outros países, como Portugal, Espanha e Estados Unidos. Estamos atrasados.”

Jorge João lembra que, no Brasil, a oferta de vacinas em farmácias já estava prevista na lei 13.021, de 2014 —mas faltava regulament­ação para que fosse aplicada. “É uma medida de grande alcance social”, afirma.

“Muitas mães deixam de vacinar seus filhos porque os postos de saúde funcionam em curto período de tempo, ou têm que deixar de trabalhar para vacinar. Farmácias possuem estrutura suficiente e maior horário.”

Sérgio Barreto, da Abrafarma (associação de redes de farmácias) estima que, de 7.100 farmácias vinculadas à associação, 1.400 já possuem salas de apoio ao paciente que podem ser adaptadas para vacinação. Em alguns Estados, como o Paraná, o serviço já era permitido. MAIS BARATO A maior disponibil­idade de vacinas deve impactar nos preços. “Hoje, como há um mercado monopoliza­do, o preço é alto. Se tem volume maior no país de vacina, o preço tende a cair”, afirma Barreto, para quem parte das críticas representa “medo de perder o mercado.”

Ferreira, do CFM, nega. “A venda nas farmácias vai mercantili­zar e banalizar um produto fundamenta­l para a saúde do cidadão. Não pode ser um produto só comercial.”

Em nota, a Anvisa informa que a norma “dá ao setor regulado mais clareza e segurança jurídica quanto aos requisitos que devem ser seguidos pelos serviços de vacinação”, facilita a fiscalizaç­ão, e que não recebeu pedido para rever a norma até agora.

Imagina eu ter um evento adverso em um lugar onde só tem uma sala e um paciente desmaiar e ter um choque anafilátic­o? Nunca vi um, mas pode acontecer

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