Folha de S.Paulo

HOTEL MARIANA

- STEPHANIE RICCI

“Quando viu a lama vindo, o homem não conseguiu correr. Agarrou os dois filhos, um em cada braço, e esperou. A força da onda quebrou as pernas dele e sua filha, de 4 anos, escapou. Quando a encontrara­m, a menina já não respirava.”

Pouco mais de dois anos após o rompimento da barragem de Fundão, em Minas Gerais, que culminou no maior desastre socioambie­ntal do país, somando 19 mortos e 1,5 mil hectares de vegetação destruídos, a peça documental “Hotel Mariana” começa sua segunda temporada nesta sexta-feira (12).

Idealizada pelo ator e dramaturgo Munir Pedrosa e dirigida por Herbert Bianchi, a obra expõe relatos de sobreviven­tes da tragédia que, na ficção, se encontram num hotel após perderem suas casas.

Pedrosa conta que viajou à região uma semana após o rompimento, “com um gravador de mão, comida e água”. “Fiquei lá nove dias e conversei com 40 vítimas de Bento Rodrigues e Paracatu. Recebi um panorama cultural, histórico e político da região muito grande daquelas pessoas. Saí de lá com mais de 12 horas de áudio.”

A montagem se utiliza de uma técnica inglesa denominada verbatim. Portando fones de ouvido no palco, os atores escutam, ao vivo, as gravações de áudio dos depoentes e as repetem em cena, reinterpre­tando o que escutam. Pela sua dramatur- gia, a peça está indicada ao Prêmio Shell de Teatro.

“Nós ouvimos tudo, transcreve­mos exatamente como as pessoas falaram e começamos a recortar e a montar os diálogos. Em dois meses de trabalho diário encaixamos todo esse material numa estrutura clássica”, diz Bianchi.

Entre os dez relatos da narrativa, está o de um senhor da folia de reis, o de uma aposentada que escrevia poemas, o de uma criança e o de uma mãe que perdeu seus filhos.

“Um depoimento puxava o outro. Eu cheguei sem saber com quem falar, então, quando alguém me contava algo que envolvia fulano, eu procurava essa pessoa pra ter mais pontos de vista”, conta Pedrosa. “Nós conseguimo­s cruzar as declaraçõe­s e criamos interlocuç­ões e até diálogos entre os depoentes.”

Em novembro passado, quando a tragédia completou dois anos, o dramaturgo retornou a Mariana com uma câmera de vídeo para entrevista­r mais uma vez os sobreviven­tes que encontrou em 2015.

O objetivo era expandir a peça para o formato de um documentár­io dramático, já em fase de produção, que misturará atores interpreta­ndo os testemunho­s, pela técnica verbatim, e entrevista­s filmadas com as vítimas reais.

“Nessa segunda viagem eu encontrei aquelas pessoas, que viviam e trabalhava­m na roça, morando em apartament­os e em subsolos, sem ver a luz do dia. Elas abrem a boca e choram, tomam remédio psiquiátri­co. Faz dois anos e muita gente já esqueceu, mas aquelas pessoas não. Por isso fizemos a peça e por isso vou fazer o filme, essa história não acabou e não vai morrer tão cedo.” QUANDO sex., às 20h30, sáb., às 18h; até 3/2 ONDE Sesc Vila Mariana auditório, r. Pelotas, 141, tel. (11) 5080-3000 QUANTO R$6aR$20 CLASSIFICA­ÇÃO 14 anos

 ?? Allan Bravos/Divulgação ?? Atores usam fones de ouvido no palco, ouvem ao vivo depoimento­s reais e reinterpre­tam o que é dito por vítimas Elenco em cena de ‘Hotel Mariana’, espetáculo documental que reconstitu­i depoimento­s de vítimas da tragédia ocorrida em novembro de 2015 em MG
Allan Bravos/Divulgação Atores usam fones de ouvido no palco, ouvem ao vivo depoimento­s reais e reinterpre­tam o que é dito por vítimas Elenco em cena de ‘Hotel Mariana’, espetáculo documental que reconstitu­i depoimento­s de vítimas da tragédia ocorrida em novembro de 2015 em MG

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