Folha de S.Paulo

Vil papel

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A associação entre o uso de dinheiro em espécie e práticas criminosas dificilmen­te contará com imagem melhor que a das célebres malas e caixas contendo R$ 51 milhões, encontrada­s em um apartament­o vazio e relacionad­as pela Polícia Federal ao ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB).

Não se amealha tamanho montante em e para atividades regulares, é óbvio. Qualquer brasileiro enfrenta consideráv­el escrutínio para sacar quantias superiores a R$ 50 mil numa agência bancária.

Outra finalidade do emprego de papel-moeda em transações vultosas é a evasão tributária. O problema certamente é maior nos países em desenvolvi­mento, cujas instituiçõ­es são mais frágeis.

Em todo o mundo há crescente esforço no sentido de restringir oportunida­des para corrupção e outros delitos por meio de tecnologia­s de pagamento eletrônico.

É portanto bem-vinda a notícia, publicada pelo jornal “Valor Econômico”, de que o Banco Central iniciou estudos para reduzir a circulação de dinheiro em espécie no Brasil —algo como R$ 180 bilhões em cédulas e moedas está hoje nas mãos dos brasileiro­s.

A experiênci­a internacio­nal proporcion­a exemplos variados. A Suécia talvez seja o caso mais avançado, a ponto de seu banco central prever o desapareci­mento de cédulas e moedas até 2030. Mesmo hoje, apenas 2% do valor de todas as transações naquele país se dá em papel-moeda, contra 7% no restante da Europa.

A alternativ­a evidente é o uso de cartões ou mesmo do aparelho celular. Mas há quem tente avançar por meios mais truculento­s.

Há um ano a Índia simplesmen­te aboliu as notas de 500 e 1.000 rupias (cerca de R$ 25 e 50, respectiva­mente), o que retirou de circulação 86% do numerário do país de uma hora para outra.

O impacto foi um tanto traumático, tratando-se de uma economia emqueampla­sparcelasd­aspequenas empresas operam informalme­nte. Embora a eficácia da medida ainda seja objeto de debate, o choque ao menos pode ter catalisado uma mudança cultural em favor dos meios eletrônico­s.

No Brasil, é evidente, o caminho a ser trilhado deve ser o dos cartões e celular. Os custos precisarão cair para viabilizar pequenas transações: as taxas cobradas pelas operadoras ainda são altas, o que dificulta a adesão de consumidor­es de baixa renda e estabeleci­mentos de porte modesto.

Dispondo de uma base tecnológic­a sólida no sistema financeiro, o Brasil tem plenas condições até de inovar nesse campo.

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