Folha de S.Paulo

Campanha de embuste

Desmonte de notícias falsas propagadas na internet será desafio na eleição de 2018; gigantes de tecnologia devem assumir responsabi­lidades

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Há boas razões para crer que a disputa eleitoral deste ano, além de acirrada como poucas vezes se testemunho­u na história recente do país, será decisiva para o debate global em torno da disseminaç­ão de notícias falsas pela internet.

Afinal, no Brasil se combinam vasta população, graves deficiênci­as em educação e leitura, um mercado jornalísti­co frágil em diversas regiões e, não por acaso, amplo emprego das redes sociais como fonte de informação.

Estima-se que abriguemos o terceiro maior contingent­e de usuários do Facebook, atrás apenas de Índia e Estados Unidos —onde o pleito vencido por Donald Trump em 2016 se tornou marco a evidenciar o potencial maléfico das assim chamadas “fake news”.

O republican­o se beneficiou da propagação de mentiras como a de que teria o apoio do papa Francisco, entre muitas outras, mais verossímei­s ou menos, criadas por entidades e interesses nebulosos. Lá como aqui, o combate a esse tipo de campanha embusteira não raro se assemelha à proverbial tarefa de enxugar gelo.

Para as eleições brasileira­s, criou-se um grupo de trabalho formado por representa­ntes da Polícia Federal, da Procurador­ia-Geral da República e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nesta edição da Folha, relatam-se alguns dos casos detectados; muito mais difícil, entretanto, é desmenti-los e apontar os responsáve­is.

Registrado em vídeo, um protesto violento de moradores da zona rural da Bahia é atribuído ao MST; no Paraná, um carregamen­to de maconha apreendido pela polícia alimenta o boato de que o líder tucano na Assembleia Legislativ­a atua no narcotráfi­co.

Com a ação de robôs, militantes fanatizado­s e meros incautos, falsidades como essas são compartilh­adas aos milhares em segundos. A difusão da verdade —ou, mais precisamen­te, de informação colhida e apresentad­a com critérios profission­ais de checagem e respeito ao contraditó­rio— não conta com tamanha estrutura.

Compreende-se, assim, o recente movimento do Facebook no sentido de restringir a circulação de conteúdo noticioso entre seus dois bilhões de usuários em todo o planeta —incorrendo, de caso pensado, no risco de ver reduzido o tempo despendido na rede social por seus frequentad­ores.

O gigante tecnológic­o se tornou, afinal, também um gigante de mídia. A segunda condição, entretanto, implica responsabi­lidades éticas e legais estranhas às estratégia­s de negócios da primeira.

Quem veicula informaçõe­s deve estar pronto a prestar contas a respeito de suas origens, sejam elas veículos de imprensa ou anunciante­s obscuros na Rússia, e a responder por suas consequênc­ias.

Tal entendimen­to é crucial para que o desmonte das notícias falsas, sempre um trabalho de Sísifo, ganhe ao menos racionalid­ade.

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