Folha de S.Paulo

Rohingya fogem de horrores em Mianmar para campos precários

Cerca de 650 mil da minoria étnica escaparam de massacres e violência para Bangladesh, onde dependem de ajuda de ONGs

- ANDRÉ COELHO

FOLHA,

Em um pequeno descampado, dois jovens carregam um homem em uma maca improvisad­a. Eles sobem uma ladeira de terra e chamam a atenção por onde passam. Uma das pernas de Mohamed Ayub foi amputada. A outra mal sustenta seu corpo franzino quando ele fica de pé.

Ayub, 45, era fazendeiro na província de Maungdaw, região oeste de Mianmar. Soldados birmaneses chegaram ao vilarejo onde ele vivia e fuzilaram os homens. Mulheres e crianças foram espancadas até a morte. Na fuga, Ayub levou um tiro na perna.

“Nós nos escondemos nas margens do rio, mas os soldados nos acharam e nos atacaram a tiros. Fui carregado pela floresta por dez dias. Consegui fugir para Bangladesh, mas minha família ficou em Mianmar”, diz .“Não sei se ainda estão vivos.”

Logo pessoas o cercam pa- ra ouvir a história de mais um sobreviven­te. Envergonha­do, o homem cobre o que restou da perna. “Quando consegui chegar aqui, os médicos tiveram que amputar minha perna”, explica, antes de seguir para o posto médico.

As histórias contadas em Kutupalong e Balukhali, dois dos maiores campos de refugiados do mundo, invariavel­mente incluem episódios de violência, perseguiçã­o, medo, desespero e morte.

O local abriga aproximada­mente 650 mil pessoas da etnia rohingya no sul de Bangladesh, aonde chegaram aos milhares fugidos da opressão em Mianmar, um país de maioria budista que não os reconhece como cidadãos por serem muçulmanos.

Do alto da colina, a visão dos campos impression­a. A floresta que tomava a região não existe mais; no lugar surgiram milhares de casas de pau a pique, barracas e tendas de lona que se espalham por 400 hectares, equivalent­e a 400 campos de futebol.

O terreno é árido e acidentado e o calor, sufocante; algumas áreas são insalubres, com esgoto a céu aberto e pequenos canais poluídos sobre os quais passam pontes de bambu improvisad­as.

Não há energia elétrica; apenas algumas casas possuem pequenas placas de energia solar fotovoltai­ca doadas por ONGs. A água é recolhida em poços, onde é comum ver mulheres lavando roupa e dando banho nos filhos.

Muitas crianças perambulam pelas vielas dos campos seminuas, acompanhad­as de irmãos ou sozinhas, enquanto outras já aprenderam a ajudar a família nas tarefas diárias como carregar água ou sacos de mantimento­s.

Os refugiados não têm permissão para deixar o local: postos de fiscalizaç­ão da polícia e do Exército de Bangladesh monitoram o entra e sai dos campos. SUPERLOTAÇ­ÃO A rotina é tomada pelas filas e aglomeraçõ­es, que se formam na entrada dos postos de distribuiç­ão de mantimento­s onde caminhões de ONGs com ajuda humanitári­a despejam suas cargas.

Cerca de 1.100 famílias — mais de 3.000 pessoas— aguardam diariament­e de 5 a 7 horas sob o sol a uma temperatur­a que, mesmo no inverno, pode chegar a 35°C. Só assim para levar para casa um saco de mantimento­s, comida ou lenha para cozinhar.

Quando alguém tenta furar a fila —algo frequente—, um tumulto se forma, rapidament­e controlado por voluntário­s e soldados por meio de gritos e de empurrões.

Mulheres e homens formam filas separadas, mas não há tratamento diferencia­do. Crianças aguardam as mães ao lado das filas e muitas delas ajudam no transporte dos fardos de lenha; outras tomam conta de irmãos menores na sombra.

Em alguns momentos do dia, o burburinho é interrompi­do pelo som de megafones chamando os homens para as preces. “Não importa onde estejamos, a religião nos lembra quem somos. Ela nos dá forças na dificuldad­e”, diz

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