Folha de S.Paulo

Eu adoraria que alguém me explicasse.

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A senhora se sente sufocada com movimentos como o #MeToo?

Eu vivi isso como um bombardeio midiático. Todos os dias os jornais publicavam artigos nos quais davam a palavra a mulheres que tinham sofrido assédio ou violência. E, sinceramen­te, muitas vezes essas violências não me pareciam ser graves —havia algumas e eu não nego isso, mas em certos casos não era tão grave. Em outros, o comportame­nto das mulheres não era tão evidente. Em que sentido?

No sentido de que podia haver —e eu não condeno isso— uma certa ambiguidad­e das mulheres antes que o homem passasse ao ato. Isso me chamou a atenção em alguns testemunho­s que li e eu me dizia: publicam o testemunho dessa mulher que acusa um homem de tê-la obrigado a uma relação sexual, mas alguém foi perguntar a esse homem seu lado da história? Isso me parece um pouco desequilib­rado. Acho que o trabalho do jornalista é tentar ouvir os dois lados, fazer um trabalho de investigaç­ão que seja minimament­e equilibrad­o e esse não foi o caso. Foi isso o que me fez reagir. O manifesto começa falando sobre a “cantada insistente e desajeitad­a”. Mas onde termina essa cantada e começa a violência? Qual é o limite? A senhora nunca passou por esse tipo de situação?

Sem dúvida, se eu procurar na minha memória, posso encontrar exemplos, mas nada que me chocasse tanto ao ponto de eu lembrar de uma maneira precisa. É verdade que nunca fui vítima de violência real, nunca fui estuprada, nem apanhei para ceder a uma relação sexual. Nunca conheci uma situação extrema.

O que uma mulher vai considerar como assédio, eu posso considerar como uma cantada insistente e não dar tanta importânci­a. Acho que nesse domínio cada um de nós tem uma escala de valores, de tolerância. O que me incomoda em particular nessa campanha [#MeToo] é que, de alguma maneira, essas mulheres querem instaurar, como se fosse uma lei universal, uma fronteira precisa a partir da qual existiria assédio. Em uma entrevista recente, por exemplo, eu disse não considerar um homem que toca nas minhas coxas no metrô como um predador. Essa sua declaração levou a secretária de Estado encarregad­a da igualdade entre homens e mulheres, Marlène Schiappa, a lhe responder que “o corpo de uma mulher não é depositári­o da miséria sexual dos homens”. A senhora pensa realmente isso?

Acho que em muitos casos esses homens que tocam ou se esfregam em mulheres no metrô ou em lugares públicos são homens que vivem uma miséria sexual. É a minha opinião. Pessoalmen­te, tenho compaixão por esses homens. A senhora também criou um escândalo ao falar sobre estupro.

Sim. Antes de mais nada, falei a título pessoal. Além disso, era uma maneira de polemizar e antes de escrevermo­s esse manifesto. Talvez se tivessem me perguntado a mesma coisa depois, eu tivesse sido mais prudente. Mas acredito que, ao invés de trancar as mulheres nessa posição de vítima, é preciso, ao contrário, ensiná-las a superar o traumatism­o.

Penso que se seu corpo sofreu um ultraje, a sua alma não deve sofrer esse mesmo ultraje, e sim permitir a você superar a violência que foi feita ao corpo. Não é fácil para alguém como a senhora, com uma sexualidad­e tão forte e pronunciad­a, falar isso?

Claro que é. Mas eu também tenho o mesmo direito de me expressar que uma mulher que não esteja na mesma posição que a minha. Estou aqui para contar a minha própria história, a maneira como pude viver a minha sexualidad­e, e espero que isso possa servir às outras, se não como modelo, para refletir sobre as relações que elas têm com sua sexualidad­e. Para a senhora um “não” é sempre um “não”?

Existe esse velho discurso machista que consiste em dizer que se uma garota diz “não” é porque ela quer dizer “sim”, como se fosse um tipo de manobra, por acreditar ser mais descente não dizer “sim” na hora, ou até como artifício para aumentar o desejo do homem. Evidenteme­nte, não concordo com esse discurso e muitas vezes acho que “não” é “não”.

Mas também é verdade que em uma aproximaçã­o sexual —e isso de ambos lados, do homem e da mulher— pode existir um momento de confusão, em que não sabemos se temos ou não vontade. A senhora é vista como uma

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