Folha de S.Paulo

Alô para as obras em domínio público

- RONALDO LEMOS

TODO DIA 1º de janeiro é motivo de festa. Não só pela virada do ano mas também porque é a data em que criações artísticas e intelectua­is entram no domínio público. Em outras palavras, é quando expira a proteção do direito autoral das obras que ultrapassa­ram o prazo de proteção. Nesse momento, deixam de ser exclusivas e passam a ser de livre acesso e uso por qualquer pessoa.

No Brasil, a regra geral de proteção aos direitos autorais é de 70 anos após a morte do autor. Neste ano, por exemplo, está entrando em domínio público a obra de todos os autores que morreram em 1947. Por exemplo, Afrânio Peixoto. Quem quiser ler, publicar ou adaptar “A Esfinge”, “Maria Bonita” ou “Uma Mulher Como as Outras” está livre para fazer isso.

Aliás, vale lembrar que no dia 1º de janeiro do ano que vem será promovida ao domínio público nada mais nada menos do que a obra integral de Monteiro Lobato. Desde já a data merece notícia e comemoraçã­o.

Já no plano internacio­nal, a situação é mais complexa. O prazo de proteção dos direitos autorais pode variar de acordo com cada país. Por exemplo, países como o Canadá e a Nova Zelândia possuem prazos menores que os brasileiro­s. Por lá, já está sendo celebrada a entrada no domínio público de artistas mortos em 1967. Isso inclui luminares como John Coltrane e René Magritte.

Uma situação curiosa é a dos Estados Unidos. Em 1998, o país tomou a raríssima decisão de aumentar o prazo de proteção do direito autoral, em 20 anos, ampliando para 95 anos a proteção de obras criadas por empresas. Essa controvers­a decisão foi tomada por meio de uma lei apelidada de “Lei de Proteção ao Mickey Mouse”.

O motivo é que a primeira versão do Mickey (chamada “Steamboat Willie”) cairia em domínio público em 1998. Em razão disso, um forte lobby se mobilizou, levando o Congresso dos Estados Unidos a topar ampliar a proteção em 20 anos. Resta saber se neste ano não haverá uma mobilizaçã­o similar para uma nova extensão do prazo.

Por essa razão, há 20 anos nenhuma obra ingressa no domínio público nos Estados Unidos. A moratória acaba em 1º de janeiro “Ardil 22”, de Joseph Heller, ou “The Soft Machine”, de William Burroughs, ou filmes como “Bonequinha de Luxo” e “Amor, Sublime Amor” já estariam livres.

Vale notar que não faz nenhum sentido ampliar o prazo de proteção. O direito autoral existe para incentivar autores a criar. Ampliar sua duração não fará com que nenhum autor morto ressuscite para conceber novos trabalhos.

Além disso, um estudo recente do Congresso dos Estados Unidos mostrou que apenas 2% das obras com mais de 55 anos de sua publicação retêm algum valor comercial. Para as demais 98%, ninguém se beneficia do fato de a obra continuar inacessíve­l. Feliz domínio público!

Ampliar a duração do direito autoral não fará nenhum autor morto ressuscita­r para conceber novos trabalhos

RONALDO LEMOS

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