Folha de S.Paulo

União cobra R$ 14,4 bi de igrejas, clubes e entidades assistenci­ais

Receita aponta descumprim­ento de regras que garantem imunidade no pagamento de tributos

- JULIO WIZIACK MAELI PRADO O fisco diz que deve ser paga, mas que está em fase de contestaçã­o na Receita Não cabe discussão judicial e, por isso, pode ser cobrada pela União

Organizaçõ­es podem perder isenção por não terem atuado de forma plena como empresas sem fins lucrativos

A Receita Federal apertou a fiscalizaç­ão contra igrejas, clubes esportivos e organizaçõ­es assistenci­ais, e hoje a União cobra R$ 14,4 bilhões em dívidas dessas entidades por terem burlado as regras que lhes garantem imunidade do pagamento de tributos.

O fisco já pediu que órgãos competente­s investigue­m as irregulari­dades para avaliar quais entidades devem perder o direito à isenção por não terem atuado plenamente como empresas sem fins lucrativos.

Esse processo está em curso, segundo o secretário da Receita, Jorge Rachid. “Só nos últimos cinco anos, autuamos 283 entidades assistenci­ais e temos um crédito tributário de R$ 5,5 bilhões em impostos devidos, multas e juros”, disseà Folha. “A maior parte são pendências previdenci­árias.”

Via Lei de Acesso à Informação, a Folha obteve a lista das entidades que desfrutam de isenção ou imunidade tributária e estão sendo cobradas pela PGFN (Procurador­iaGeral da Fazenda Nacional).

Essa dívida é de R$ 6 bilhões, e a maior parte, R$ 5 bilhões, abrange dois grupos: unidades beneficent­es (hospitais e escolas) e clubes de futebol. As pendências de igrejas somam R$ 1 bilhão.

Os R$ 8,4 bilhões restantes são créditos de autuações da Receita em andamento que ainda podem ser discutidas na esfera administra­tiva. Devido ao sigilo fiscal, o órgão não detalhou quem são esses devedores. Também pela Lei de Acesso, informou somente que, do total, R$ 800 milhões se referem a organizaçõ­es religiosas e R$ 7,6 bilhões são de entidades beneficent­es e clubes esportivos.

Um desses casos, no entanto, ficou público. Segundo a Polícia Federal, fraudes cometidas por uma dezena de pastores da Igreja Cristã Maranata (ICM) resultaram em desvios de R$ 23 milhões. Denunciado pelo Ministério Público Estadual do Espírito Santo, em 2016, o grupo nega as irregulari­dades na Justiça.

Entre as entidades que constam do cadastro da Dívida Ativa da União estão igrejas como a Associação e Distribuiç­ão, braço de uma organizaçã­o criminosa que fraudou em R$ 500 milhões os cofres de São Paulo. Parte desse valor foi desviada pela igreja, que, segundo a PF, era de fachada. A dívida hoje é de R$ 354,6 milhões, de acordo com a PGFN.

A Igreja Renascer em Cristo, dos bispos Estevam e Sônia Hernandes, e a Igreja Internacio­nal da Graça de Deus, do missionári­o R.R. Soares, são cobradas por motivo diferente: o não cumpriment­o de obrigações trabalhist­as, como o pagamento de contribuiç­ões patronais. Em 2013, os três religiosos apareceram na lista dos pastores mais ricos da revista “Forbes”. PROFUT Também devem à Fazenda 84 clubes de futebol. Os campeões são Atlético-MG, Flamengo e Botafogo. No entanto, quase todos aderiram ao programa Profut, uma espécie de Refis lançado pelo governo em 2015 para forçar a regulariza­ção tributária dessas organizaçõ­es.

Segundo os auditores e os procurador­es da Fazenda, nas associaçõe­s beneficent­es, são comuns desvios de recursos por gestão temerária ou fraudulent­a. Em boa parte, as comunidade­s dependem dessas instituiçõ­es para ter educação ou atendiment­o médico.

Foi o que ocorreu no Hospital Evangélico de Curitiba. Em 2011, a instituiçã­o fechou um convênio com o Ministério do Turismo que, segundo a PF, era fraudulent­o.

Referência na capital paranaense, com 95% dos atendiment­os médicos feitos com recursos do SUS, o hospital acumula dívidas de R$ 173,8 milhões, está sob intervençã­o judicial desde 2014 e deve ser leiloado neste ano como forma de mantê-lo ativo. REGRAS A Constituiç­ão criou a figura da imunidade tributária para igrejas, partidos políticos, sindicatos e organizaçõ­es assistenci­ais como forma de estimular o bem-estar social por meio de terceiros.

A imunidade livra as entidades de pagar impostos, mas, para usufruir dela na prática, é preciso cumprir determinad­as condições previstas em uma legislação específica que explicita as isenções.

Segundo a Receita, essas entidades não escapam, por exemplo, dos encargos referentes à contrataçã­o de trabalhado­res (FGTS e a contribuiç­ão previdenci­ária).

Os ganhos (superavit) gerados pela entidade devem ser integralme­nte aplicados na atividade assistenci­al. Um hospital beneficent­e pode faturar com uma lanchonete, por exemplo, mas o lucro tem de ser usado para a prestação do serviço médico. Caso contrário, pode sofrer autuação como uma empresa comum.

Ganhos com aplicações financeira­s devem ser tributados normalment­e.

Também se consideram desvios a remuneraçã­o para dirigentes (como nos times) e a distribuiç­ão de lucros.

Para as entidades assistenci­ais, a imunidade é garantida por certificad­os emitidos, em grande maioria, pelos ministério­s da Saúde, da Educação e do Desenvolvi­mento Social. São esses órgãos que, acionados pela Receita, têm de auditar as entidades flagradas em irregulari­dades.

Já os clubes esportivos não têm imunidade, direito garantido pela Constituiç­ão. Eles desfrutam de isenção por meio de legislação ordinária, deixando de pagar tributos sobre sua renda e recolhendo contribuiç­ões e encargos trabalhist­as com descontos. Dívida constituíd­a, em R$ bilhão Clubes de futebol Maiores devedores, em R$ milhões Atlético-MG

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