Folha de S.Paulo

Suas fronteiras com malária e 91% eram da Venezuela.

- BRAM EBUS STEFANO WROBLESKI

DO INFOAMAZON­IA

Com as mãos sujas de barro, um mineiro joga rochas ricas em minerais em uma máquina que tritura pedras. Elas serão processada­s com mercúrio em um processo rudimentar que se multiplica pela Amazônia venezuelan­a e que, em 2017, rendeu 8,5 toneladas de ouro ao banco central do país.

A mineração é a aposta do presidente Nicolás Maduro depois que a queda dos preços do petróleo, principal produto de exportação do país, e a crise fizeram disparar a inflação e o desemprego.

Ouro, diamante e coltan (composto usado na fabricação de eletrônico­s) são os principais produtos extraídos do Arco Mineiro do Orinoco, megaprojet­o do governo da Venezuela que ocupa 112 mil km2 da floresta amazônica — ou 12% do território do país.

O projeto foi oficialmen­te inaugurado em agosto de 2016, quando Maduro disse que 150 companhias de 35 países haviam demonstrad­o interesse em investir no Arco Mineiro. Um ano e meio depois, projetos concretos de mineração seguem ausentes.

“É uma jogada desesperad­a do governo Maduro para levantar dinheiro”, diz David Smilde, professor de sociologia na Universida­de de Tulane, em Nova Orleans, nos EUA, e membro sênior na ONG Oficina em Washington para Assuntos Latino-americanos.

“Os problemas atuais da Venezuela têm menos a ver com a queda dos preços do petróleo e mais relação com políticas econômicas insustentá­veis. Lembre-se de que, durante o ciclo de protestos de 2014, o barril de petróleo custava quase US$ 100. O modelo já era insustentá­vel e a queda no preço do petróleo só acentuou seu declínio.”

Ainda em agosto de 2016, o presidente também anunciou ter assinado um contrato com a Barrick Gold, maior mineradora do mundo. A empresa, no entanto, afirmou à reportagem que “participou da revisão de projetos mineiros no país”, mas negou buscar “qualquer projeto ou investimen­to na Venezuela”.

A falta de parceiros comerciais não inibe a existência do Arco Mineiro. De acordo com o governo, cerca de 250 mil pessoas dependem direta ou indiretame­nte do projeto. E migrantes chegam todos os dias de outras partes do país.

“O salário mínimo simplesmen­te não é o suficiente para mim. Sou uma mãe solteira de três filhos. Eu me demiti e vim para cá. É um pouco difícil, mas agora consigo sustentar meus filhos”, conta a mineira Minorca Maurera, 23, que trabalhava em uma padaria antes de se mudar para El Callao, a 640 km ao sudeste de Caracas, capital do país.

Nesta região, que fica no estado de Bolívar, são 30 mil mineiros independen­tes que processam artesanalm­ente o ouro extraído. Com as mãos nuas e sem máscaras no rosto, eles fazem a limpeza das rochas com mercúrio, metal líquido que é misturado à água e evaporado nas etapas finais de separação do ouro.

Além de poluir o ambiente, o mercúrio causa problemas neurológic­os, nos rins, pulmões e pele de quem se expõe a ele, explica Marianella Herrera, diretora do Observatór­io Venezuelan­o da Saúde. “Além disso, pesquisado­res têm associado a exposição a metais pesados, como o mercúrio, ao autismo”, diz.

O uso do metal na mineração é proibido desde abril de 2016 no país, o que não impede a mineradora estatal Minerven de comprar quase toda a produção dos mineiros artesanais de Bolívar.

“Não posso afirmar que a Minerven compre o ouro de minas ilegais porque no papel não é assim”, diz um funcionári­o da empresa que pediu para não ser identifica­do. “Estamos autorizado­s a comprar de 17 ou 18 associaçõe­s de produtores artesanais de ouro, mas sabemos que eles compram de mineiros ilegais. ” MALÁRIA O cresciment­o da mineração provocado pelo projeto do Arco Mineiro também levou a uma epidemia de malária na Venezuela. Em 2016 foram 240 mil contaminaç­ões no país, um número 76% maior que o do ano anterior, segundo dados da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS). Três em cada quatro casos foram registrado­s no estado de Bolívar, que faz fronteira com o Brasil.

O dado é alarmante para o país, o primeiro do mundo a ser certificad­o pela OMS por ter erradicado a malária em locais de grande concentraç­ão de pessoas, em 1961.

O desmatamen­to de vastas áreas para a extração de minérios é um dos motivos para o aumento de casos. Segundo especialis­tas, a falta de árvores que façam sombra faz com que o sol aqueça as águas de lagos e poças mais rapidament­e, acelerando o desenvolvi­mento das larvas.

Mas a migração de trabalhado­res para a região e a falta de medicament­os contra a malária agravam a situação.

“A fronteira entre o mosquito e o homem não existe mais”, diz um médico que pediu para não ser identifica­do —colegas foram demitidos por falar com a imprensa.

Áreas de mineração remotas nos estados de Bolívar e Amazonas também enfrentam problemas semelhante­s. “Mas a morte se apresenta porque as pessoas vivem longe demais”, diz o médico. “Primeiro, elas precisam cruzar o rio, esperar por um barco, então por uma mula e, então, um Jeep Toyota precisa transportá­las até nós. Isso pode levar até três ou quatro dias e a saúde de alguém nesta condição pode ficar bastante complicada”.

“Há um aumento extraordin­ário de mineiros migrantes de diferentes estados em direção ao Amazonas e Bolívar, além de pessoas ‘colaterais’, como prostituta­s e mercadores”, diz Oscar Noya, diretor do Centro de Estudos sobre Malária e cientista do Instituto de Medicina Tropical.

A doença é transmitid­a a seres humanos pela picada de um mosquito, que pode ter sido contaminad­o por outra pessoa. Por isso, a explosão de casos na Venezuela deixou os países vizinhos em alerta.

Em 2017, a Colômbia recebeu 965 pessoas que cruzaram VIOLÊNCIA A mineração atrai gangues locais, que buscam aumentar o seu poder e dinheiro pela coerção de mineiros. “Se você se comportar, nada vai acontecer”, diz um mineiro de El Callao enquanto explica a “vacina” —a extorsão mensal de 4g ou 5g paga a uma gangue.

Com expressão calma, ele acrescenta: “Senão, você irá lá para cima [no topo dos morros] e eles vão ligar a motosserra”.

Entre janeiro e outubro de 2017, uma análise de reportagen­s da imprensa feita pelo Observatór­io Venezuelan­o de Violência no estado de Bolívar mostra que ao menos

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