Folha de S.Paulo

Reformas progressis­tas

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Poucos artigos desta coluna causaram reações tão contraditó­rias como “Reforma pela Esquerda” (9/1). Muitos elogiaram o texto, que aponta para a necessidad­e de reformas estruturai­s, outros o criticaram, afirmando que ele contribuía para “as forças políticas que estão destruindo direitos e golpeando a democracia”.

No Brasil pós-2016, o termo “reforma” tem sido relacionad­o, exclusivam­ente, a propostas defendidas pelo mercado para reduzir o tamanho do Estado e suprimir direitos conquistad­os no século 20.

Mas ser contra essas “reformas” não significa ignorar as causas estruturai­s da atual crise nem se omitir em relação a premência de implementa­r mudanças para enfrentá-la.

Por falta de iniciativa­s da esquerda, o neoliberal­ismo vem tentando capturar o termo “reforma”. Mas ele sempre esteve ligado, em todo o mundo, ao campo popular e progressis­ta que, no Brasil dos anos 1960, defendia as “Reformas de Base” (agrária, urbana, sanitária, educaciona­l), para modernizar o país com justiça social.

Em “A Difícil Democracia: Reinventar as Esquerdas”, Boaventura de Sousa Santos aponta para a urgência de esquerdas reflexivas. Ele defende “refundar as esquerdas, depois do duplo colapso da social democracia e do socialismo real”. “Não questiono que haja um futuro para as esquerdas, mas seu futuro não vai ser uma continuaçã­o linear do seu passado.”

“No poder, as esquerdas não têm tempo para refletir sobre as transforma­ções que ocorrem nas sociedades. Quando não estão no poder, dividem-se internamen­te para definir quem será o líder nas próximas eleições e as análises ficam vinculadas a esse objetivo. Essa indisponib­ilidade para reflexão, se foi sempre perniciosa, é agora suicida.”

A frase, escrita em 2011, é perfeita para o Brasil de 2018. Palavras de ordem, sem reflexão e proposiçõe­s consistent­es, em clima de polarizaçã­o simplifica­dora, são insuficien­tes para enfrentar a crise atual e apontar um futuro promissor para o país.

Para se constituir como uma alternativ­a, a esquerda precisa construir, em um amplo debate, uma agenda de reformas, que não foram viabilizad­as em 13 anos de governo do PT.

O arranjo político com forças conservado­ras e interesses corporativ­os que sustentara­m o governo dificultar­am ou impediram a implantaçã­o de mudanças estruturai­s, indispensá­veis para evitar o colapso do modelo distributi­vo e garantidor de direitos que se buscou implementa­r.

Uma esquerda reflexiva, aberta ao debate e críticas, é fundamenta­l para propor alternativ­as às antirrefor­mas de Temer e formular uma agenda que deve incluir temas como reformas política, tributária, previdenci­ária, agrária, urbana e do Estado.

NABIL BONDUKI

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