Folha de S.Paulo

Mimo surreal

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RIO DE JANEIRO – O prédio da Câmara Municipal do Rio já foi conhecido como Gaiola de Ouro. O apelido —segundo o historiado­r Brasil Gerson— fazia referência aos custos da sua construção, iniciada em 1919: 23 mil contos de réis. Um valor considerad­o altíssimo na época, se comparado ao belo e imponente Theatro Municipal, que fica ao lado e foi erguido por menos da metade.

Hoje, está mais para Gaiola dos Mimos. A repórter Selma Schmidt, em “O Globo”, mostrou que, em 2017, primeiro ano da atual legislatur­a, os vereadores distribuír­am nada mais, nada menos que 4.460 homenagens, entre moções, medalhas e títulos honorífico­s. A impressão é que o sujeito estava de bobeira, passando pela Cinelândia, e era capturado por dois seguranças da casa para receber a medalha Pedro Ernesto.

Só entre comerciant­es da feira de São Cristóvão foram agraciadas 102 pessoas, todas pelo bispo da Igreja Universal João Mendes de Jesus (PRB). Tornaram-se instituiçõ­es de utilidade pública a Assembleia de Deus Ministério da Vida e Luz e a Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro. Entraram para o calendário oficial da cidade os dias da Consciênci­a Jovem, do Avivamento da Rua Azusa, do Prêmio Plumas e Paetês Cultural, do Combate ao Preconceit­o à Pessoa com Nanismo. Ah, sim, agora também temos o Dia do Futevôlei.

Na votação mais importante do ano, em setembro, a Câmara aprovou o projeto de lei que permite alterar a cobrança dos valores do IPTU. O cresciment­o máximo pode chegar a 153%. Em Madureira, a 30%. Em Campo Grande, bairro de maior população, a mais de 50%. Como virou praxe, funcionou o “toma lá, dá cá”: houve mudanças no primeiro e segundo escalões da prefeitura e ameaças de retaliação.

Os carnês do novo IPTU começaram a chegar. Os cariocas, vendo a cidade abandonada, não acreditam. É mais um caso de aumento surreal.

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