Folha de S.Paulo

O novo contrato sexual

Tanto Oprah quanto Deneuve representa­m movimentos progressis­tas; a cama é um lugar horizontal, e ambas querem que isso prevaleça

- PAULO GHIRALDELL­I JR. www.folha.com.br/paineldole­itor saa@grupofolha.com.br 0800-775-8080 Grande São Paulo: (11) 3224-3090 ombudsman@grupofolha.com.br 0800-015-9000

A mulata Globeleza desaparece­u. As duas. Não cabe mais. O nu e a exposição da mulher são alguma coisa que sobrou para o celular: “Mande nudes.” Na TV, só se vier recheado de salamalequ­es pseudocult­os, como no caso do programa “Amor & Sexo” —aliás, muito chato.

Até mesmo a propaganda de cerveja adotou antes a lição moral que a chamada, pelos meus pais, de “mulher boazuda” (também usei essa expressão).

Até pouco tempo, os homens das agências de marketing diziam que um cachorro da raça golden retriever e os decotes generosos eram as duas coisas que faziam os homens sorrir. A distância do golden retriever como chamariz cresceu tanto em relação aos seios que o segundo lugar não conta mais. Ser fofo, agora, é ser filhote.

Aqueles que estão acostumado­s a manuais de sociologia —e, por isso, não pensam— estão dizendo por aí que vivemos uma época de “puritanism­o americano”. Outros, então, alimentado­s por literatura barata, vão falar em hegemonia do “politicame­nte correto” (ou “ditadura”, o que é erro até maior). Mas uma visão histórica desmente isso.

Os anos 60 trouxeram a abertura para um novo contrato sexual. Ele não se fez. Só agora estamos realmente pondo a sua minuta na mesa. Entre os anos 70 e 90, um dos resultados dos 60 foi o lento e sazonal aparecimen­to de roupas andróginas e de moda de cabelo e outras coisas chamadas “unissex”.

Agora, a androginia saiu do campo do adorno e foi para o campo mental. Há uma mentalidad­e andrógina no ar. O amor deixou lugar aberto para o seu original, Eros, e este nunca foi outra coisa senão o rei da androginia. Sempre fez pessoas gostarem de pessoas, e não homens gostarem de mulheres ou vice versa. O mundo ocidental jovem está povoado de pessoas; pessoas cuja genitália (ou não genitália) deixou de dar comando unificado para o amor.

Tudo isso se espelha maravilhos­amente no embate entre o discurso de denúncia de assédio, representa­do no momento pela fala de Oprah Winfrey, e o manifesto contra o “denuncismo”, representa­do pela assinatura de Catherine Deneuve. As moças do cinema saem na frente! Ao contrário do que se anuncia, nada aí diz respeito a mais um debate do “feminismo” contra o “machismo”. O confronto é a confecção do novo contrato sexual —finalmente! O que está na minuta do contrato é o novo, o inusitado: o “segundo sexo” (Simone de Beauvoir) está delineando o que deve ser o macho, o masculino ou o homem, sem perguntar nada aos homens. Isso é o inédito. Essa é a marca desse movimento, a vitória da mulher.

Ambos os movimentos são progressis­tas. A cama é um lugar horizontal, e ambos os manifestos querem que isso prevaleça. Não há razão para clamar por verticalis­mos, jogos de poder, status, para se ir para a cama nem para sair dela.

Oprah quer que a lei contra assédio possa ser cumprida, pondo nos eixos os homens que não sabem ler a linguagem corporal das mulheres, que dizem “sim” ou “não” sem precisar falar. Deneuve quer que os homens que sabem ler a linguagem corporal da mulheres possam ter chance de o assim fazer, sem ganharem a injusta pecha de tarados.

O homem, aqui, não apita nada. Ele está sendo moldado por mulhe- res da América e da Europa e vai ter de entrar no novo figurino. O pacto sexual cuja minuta é apresentad­a agora vai ser assinado por ele, mas sem que seja consultado. Se ele teimar, o contrato ficará valendo até mesmo sem sua assinatura. O certo é que ele nem perceberá, pois já estará mudado quando acordar.

Em mundo assim, a mulata Globeleza precisa mesmo desaparece­r. Para volta a surgir nua, deverá esperar um novo homem que saiba entender quando a sua nudez estará se dirigindo para ele ou não. Isso se ele ainda tiver algum interesse por nudez. O homem tirado desse novo pacto, pelas mulheres, vai ter que ser um leitor melhor, inclusive para entender que golden retriever e androginia vem antes que ele. A sensibilid­ade natural é histórica.

A ideia de que as pessoas dizem “sim” quando estão dizendo “não” terá de ser mais bem percebida. O que Deneuve e Oprah estão afirmando é que a burrice precisa perder espaço. PAULO GHIRALDELL­I JR.,

PAULO MARINHO

William Waack Não justifico a piada de Waack e entendo os agravos do anedotário dos brasileiro­s (“Não sou racista, minha obra prova”, “Opinião”, 14/1). Mas chama a atenção a demora na reação. Gerou também mal-estar a atitude presunçosa do ofendido em querer ser fotografad­o na bancada da TV Globo, como quem se vangloria em sentar na cadeira vazia do jornalista.

ÂNGELA LUIZA S. BONACCI

Ciro Gomes Embora deixe claro que sua resposta é “sim” (“Ciro Gomes é maluco?”, “Poder”, 15/1), o colunista não apresenta qualquer fundamento. A afirmação de que Ciro adotou um discurso “bem mais à esquerda” do que sua trajetória é uma forma desonesta de acusá-lo de oportunist­a. Quanto a reverter todas as medidas do Temer, o que tenho ouvido (e concordado) é sua intenção de submeter pontos controvers­os desse governo a uma ampla discussão, o que está longe de caracteriz­ar maluquice.

ROBERTO LEHMANN,

Compartilh­o do pensamento: Ciro deve aproveitar sua experiênci­a para apresentar um programa de governo mais atual. O político deveria se preocupar mais em mostrar soluções para os problemas do país do que em radicaliza­r o discurso e entrar em polêmicas. Ele pode muito bem se aproveitar do possível impediment­o de Lula e atrair boa parte do eleitorado petista.

ANDRÉ PEDRESCHI ALUISI

Segurança no trânsito SERVIÇOS DE ATENDIMENT­O AO ASSINANTE: OMBUDSMAN:

“Ao invés de trancar as mulheres nessa posição de vítima, é preciso, ao contrário, ensiná-las a superar o traumatism­o.” Traduzindo, cabe ao homem atacar e à mulher superar (“Esse feminismo do #MeToo é bélico e ofensivo aos homens”, “Entrevista da 2ª”, 15/1). Não é muito trabalhoso discernir uma bela cantada de uma abordagem grosseira e abusiva. Em uma há quase que um prévio consentime­nto da parte interessad­a. Já na outra, sua permissão é dispensada.

ANETE ARAUJO GUEDES

Colunistas Sou avô de uma criança de cinco meses e chorei ao ler o texto de Gregorio Duvivier (“Querido Deus”, “Ilustrada”, 15/1). Lindo, profundo, alegre e grato à vida. Sinto falta de textos assim nesta Folha, que valorizem a vida, que duvidem ou tenham certeza, mas saibam agradecer o que de belo existe.

ARY BRANDI

Proibição não funciona. Cada pessoa tem que decidir por si mesma o que comer, mas penso que muitos seriam beneficiad­os se uma vez por semana não comessem carne, incluindo o planeta (“Neoidiotas contra a carne”, “Ilustrada”, 15/1). Ninguém vai morrer se ficar sem carne um dia.

MARINA GUTIERREZ

PT Para barrar Lula, vale tudo. Até afirmar que o atual (des)governo de Michel Temer “alcançou índices positivos”, como faz Gaudêncio Torquato (“A insustentá­vel leveza de ser do PT”, “Opinião”, 15/1). Quais índices e, sobretudo, para beneficiar quem? O articulist­a e seus derrotados deveriam explicar a má avaliação obtida por Temer e o por que da liderança de Lula na corrida presidenci­al.

ADEMAR G. FEITEIRO,

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Paulo Branco

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