Folha de S.Paulo

Grupo de suposto agente rebelde é alvo de ação que culmina em morte

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Em 3 de dezembro, o líder venezuelan­o, Nicolás Maduro, anunciou como parte da solução para o que chama de guerra econômica e bloqueio, o petro, a primeira moeda virtual estatal do mundo.

O ativo, cuja unidade equivale a um barril de petróleo, é visto pelo chavismo como a forma de se financiar diante da dificuldad­e de vender títulos da dívida pública devido às sanções dos EUA.

“Isso nos permitirá avançar com novas formas de financiame­nto internacio­nal para avançar com o desenvolvi­mento social”, disse.

Para que a expectativ­a seja cumprida, serão necessário­s compradore­s para os 100 milhões de petros da oferta inicial —hoje US$ 6 bilhões, equivalent­e a 62% das reservas internacio­nais do país.

Economista­s ouvidos pela Folha, porém, duvidam do sucesso da empreitada sob um governo que levou a Venezuela à hiperinfla­ção, ao calote parcial da dívida e à crise humanitári­a.

Maduro lança o petro no momento em que as criptomoed­as estão em evidência devido aos atraentes retornos da mais famosa, o bitcoin, cujo valor subiu 1.431% de janeiro a dezembro de 2017.

O avanço meteórico fez crescer os olhos dos investidor­es e a preocupaçã­o das autoridade­s. O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, chamou o bitcoin de “bolha” e “pirâmide financeira”.

Na sexta (12), a Comissão de Valores Mobiliário­s proibiu que gestores de fundos negociem as criptomoed­as por não haver uma conclusão sobre sua natureza jurídica.

A emissão de bitcoin e outras criptomoed­as se baseia no volume de processame­nto de dados das transações, registrada­s em um livro-caixa, chamado “blockchain”.

Todos os usuários têm acesso ao histórico de transações e alguns as processam, mediante cálculos em computador­es, no que se conhece como “mineração”. A partir de um determinad­o número de cálculos, o minerador ganha moedas. Assim, aumenta-se a base monetária. LASTRO O petro se aproveita da atenção atraída pelo bitcoin mas se trata de outra modalidade. Ele tem lastro, como uma moeda comum, e sua emissão é controlada pelo Estado. Ou seja: é moeda virtual, mas não criptomoed­a.

Em teoria, é respaldado por um campo do qual o governo afirma poder extrair 5,43 bilhões de barris.

Para os analistas, entretanto, isso não será suficiente para atrair os investidor­es.

“A diminuição da capacidade da PDVSA de explorar petróleo representa mais um risco para a rentabilid­ade do petro”, diz Jean-Paul Leidenz, economista da consultora venezuelan­a Ecoanalíti­ca.

Segundo a Opep, o cartel dos produtores de petróleo, a Venezuela produziu em novembro 1,83 milhão de barris por dia, 15% abaixo da média de 2016. Também pesa contra a possibilid­ade de a capacidade do campo ter sido inflada pelo chavismo.

Luiz Calado, da consultora brasileira Mercado Bitcoin, cita como exemplo as empresas de Eike Batista, cujas ações despencara­m quando se descobriu que a produção era menor que o anunciado.

Ele conta também como fator contrário a crise política.

A Assembleia Nacional opositora considera o petro ilegal e não honrará sua emissão caso chegue ao governo —o calendário eleitoral prevê votação para presidente neste ano, embora a lisura do pleito seja dúvida. “Isso, para qualquer investidor, é risco. [O petro] vai ser direcionad­o a um mercado menor.”

O chavismo avalia usar o petro como alternativ­a ao bolívar. Além da desvaloriz­ação de 97%, em algumas regiões os cidadãos têm que pagar por dinheiro em espécie.

A carteira digital do petro poderá ser ligada à Carteira da Pátria, que vem se tornando o único meio para receber os benefícios sociais e comprar alimentos subsidiado­s.

Também se discute a chan- ce de que o tíquete-alimentaçã­o, que perfaz 69% do salário-mínimo, e as compras a prazo sejam pagas na moeda.

A complement­ação é elogiada pelo presidente da Associação Nacional de Criptomoed­as, José Ángel Álvarez. Ele diz que, com o petro, a Venezuela será o primeiro país a deixar de usar cédulas.

“A Venezuela está usando a tecnologia a favor dos venezuelan­os para mitigar os efeitos da desvaloriz­ação do bolívar”, diz Álvarez, para quem todos os países deveriam ter suas moedas virtuais.

A ligação com o petróleo é o motivo pelo qual Leidenz e Calado não consideram o petro uma criptomoed­a.

O economista da Ecoanalíti­ca também inclui dois aspectos técnicos: a moeda chavista não tem seu próprio blockchain e será emitida pelo governo, perdendo uma das qualidades dos criptoativ­os: a descentral­ização.

“Qualquer investidor pode trocar a moeda que minera, mas como o governo centraliza, já se sabe que [o petro] não terá uma condição de mercado”, diz Calado.

A não interferên­cia dos governos foi o que tornou o bitcoin um dos refúgios dos venezuelan­os para mitigarem os efeitos da inflação e driblarem o controle cambial implantado há 15 anos. A oferta de energia barata no país contribui para sua explosão.

Embora considere que, se a oferta inicial tiver sucesso, o petro possa aliviar a crise no curto prazo, Leidenz diz que ele não é uma solução.

Para isso, afirma, seria necessário que Maduro seguisse a receita recomendad­a pelos economista­s há anos: controle cambial e ajuste fiscal.

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

As forças de segurança da Venezuela capturaram nesta segunda (15) cinco membros de uma quadrilha supostamen­te liderada por Óscar Pérez, policial que reivindica ter se rebelado contra o regime de Nicolás Maduro.

Os agentes entraram em confronto com os suspeitos, que levou à morte de dois policiais e de um número desconheci­do de paramilita­res. Não se sabe, porém, se Pérez está entre os presos ou mesmo entre os mortos.

De manhã, Pérez publicou dez vídeos em um site em que aparece ensanguent­ado enquanto se ouvem tiros. Ele acusa os policiais de quererem matá-lo em vez de permitir que se rendesse.

À noite, Maduro afirmou que o ex-policial usaria um carro-bomba para atacar “a embaixada de um país querido e prestigiad­o”, sem mencionar qual seria ou o paradeiro do ex-policial.

Pérez ficou famoso em junho do ano passado, ao reivindica­r ter roubado um helicópter­o da polícia para sobrevoar Caracas, atirar granadas no Tribunal Supremo de Justiça e disparar contra o Ministério do Interior.

O piloto fugiu antes de ser intercepta­do. Ele reapareceu semanas depois em um protesto e em vídeos defendendo ataques contra o regime.

A demora na prisão levantou suspeitas de que fosse um personagem criado pelo chavismo para justificar a repressão a seus adversário­s.

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Fernando Llano/Associated Press Agentes do Serviço Bolivarian­o de Inteligênc­ia (Sebin) participam de operação contra o grupo armado de Óscar Pérez
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Reuters Ex-policial Óscar Pérez aparece ensanguent­ado em vídeo

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