Folha de S.Paulo

‘País-cobaia’ mostra efeito de novo Facebook

Remoção de sites de mídia do feed testada desde 2017 provocou proliferaç­ão maior de notícias falsas na rede

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Na semana passada, empresa anunciou que passará a priorizar conteúdo gerado por parentes e amigos

Numa manhã de outubro, os editores do “Página Siete”, o terceiro maior site de notícias da Bolívia, perceberam uma forte queda no tráfego encaminhad­o pelo Facebook.

O “Página Siete” havia sido alvo de ataques cibernétic­os, algum tempo antes, e os editores temiam que o site tivesse se tornado alvo de hackers leais ao governo do presidente Evo Morales.

Mas a culpa não era do governo. Era do Facebook. A empresa testava nova versão de seu feed de notícias e começou a remover artigos de sites noticiosos profission­ais do conteúdo que é normalment­e encaminhad­o aos usuários, relegando-os a uma nova seção chamada Explore.

Querendo ou não, a Bolívia havia se transforma­do em rato de laboratóri­o para os constantes esforços de reinvenção do Facebook. O programa também foi adotado na Eslováquia, em Sri Lanka, no Camboja, na Guatemala e na Sérvia.

A rede social altera e atualiza seu serviço constantem­ente para manter os usuários colados às suas telas, e países como a Bolívia são mercados ideais de teste devido ao cresciment­o que registram em seu número de usuários de internet. Mas as mudanças que a rede social promove podem ter consequênc­ias significat­ivas, tais como limitar a audiência das fontes de notícias não governamen­tais e —surpreende­ntemente— propiciar impacto maior para artigos inventados e sensaciona­listas.

Na quinta-feira (11), o Facebook anunciou planos para mudanças semelhante­s em seu feed em todo o mundo. A empresa anunciou que estava tentando reforçar as “interações significat­ivas” em seu site, enfatizand­o o conteúdo gerado por parentes e amigos e reduzindo a presença de material criado por marcas e provedores de conteúdo.

Na Eslováquia, onde nacionalis­tas de direita conquistar­am quase 10% dos assentos do Legislativ­o em 2016, provedores afirmam que as mudanças na verdade ajudaram a promover notícias falsas. Como as organizaçõ­es noticiosas oficiais passaram a ter de pagar para divulgar seu conteúdo no feed de notícias, agora cabe aos usuários disseminar informaçõe­s.

“As pessoas em geral não compartilh­am notícias tediosas”, disse Filip Struharik, editor de mídia social do “Dennik N”, site eslovaco de notícias que viu queda de 30% no engajament­o direcionad­o a ele pelo Facebook depois da mudança.

Struharik, que vem catalogand­o os efeitos do programa Explore, viu alta firme de engajament­o nos sites que publicam notícias falsas ou sensaciona­listas.

Reportagem falsa publicada em dezembro ilustra o problema, de acordo com Struharik. O texto afirmava que um muçulmano havia agradecido a um bom samaritano que encontrou e devolveu sua carteira alertando-o para um ataque terrorista planejado contra um mercado de produtos natalinos.

A falsa notícia circulou tão amplamente que a polícia local divulgou um comunicado informando que ela não era verdade. Mas, quando a polícia tentou divulgar seu alerta via Facebook, constatou que a mensagem, ao contrário da notícia falsa que as autoridade­s buscavam negar, não podia mais aparecer no feed porque provinha de fonte oficial.

“Temos responsabi­lidades para com as pessoas que leem e compartilh­am notícias no Facebook, e todos os testes são realizados com essas responsabi­lidades em mente”, disse Adam Mosseri, responsáve­l pelo feed do Facebook. PAULO MIGLIACCI NIZAN GUANAES O colunista está em férias

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Gonzalo Pardo/“The New York Times” Jornalista­s na Redação do site ‘Página Siete’, da Bolívia, que viu queda no tráfego de notícias vindas do Facebook

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