Folha de S.Paulo

ANÁLISE Mudança é aposta arriscada para o negócio da rede social

- FARHAD MANJOOR

Imagine um magnata dos biscoitos. Ele descobriu uma maneira de ganhar muito dinheiro distribuin­do o produto de graça, e em menos de uma década criou um império.

Mas de repente seu reino começa a desmoronar. Cientistas estão preocupado­s por as pessoas estarem comendo biscoitos demais e dizem que elas estão adoecendo por isso —mas mesmo assim elas não param de comer, pois quem consegue dizer não a um biscoito grátis?

Também há preocupaçõ­es com o fato de os biscoitos que ele distribui estarem expulsando a comida normal do mercado; depois do sucesso de sua companhia, os vendedores de frutas e legumes também começaram a oferecer biscoitos gratuitos, e agora toda a comida consiste de biscoitos. O vício em biscoitos pode até ter ajudado um governo estrangeir­o a influencia­r uma eleição, no país do magnata dos biscoitos.

E por isso o magnata decide fazer alguma coisa. Convoca seus melhores confeiteir­os e lhes diz que a partir daquele dia eles não devem mais se preocupar só com distribuir o maior número possível de biscoitos gratuitos e estufar as barrigas das pessoas. Diz que agora adotará uma abordagem holística para a experiênci­a dos biscoitos.

O objetivo é que as pessoas comam alguns biscoitos, mas não demais, e por isso será preciso torná-los menos viciantes e mais “significat­ivos”. Talvez seja necessário colocar cenouras, couve e brócolis nos biscoitos.

Que espécie de fabricante desejaria que os consumidor­es comam menos biscoitos? Aparenteme­nte, o Facebook.

Na quinta (11), como parte de seus esforços para fazer da rede social uma força que trabalhe para o bem, Mark Zuckerberg anunciou que o Facebook realizará mudanças significat­ivas em seu feed de notícias, que passará a priorizar posts que causem o que a rede define como “interações significat­ivas” com amigos e parentes e reduzirá a prioridade de coisas como artigos e vídeos noticiosos, que, segundo a empresa, encorajam as pessoas a percorrer passivamen­te a tela do feed.

O esforço parece útil, e até mesmo nobre, se considerar­mos que Zuckerberg admitiu que a mudança não beneficiar­ia os seus negócios, pelo menos em curto prazo. Mas, se você pensar no negócio principal do Facebook como a distribuiç­ão de biscoitos gratuitos, e não como operar uma rede social, as dificuldad­es do plano se tornam evidentes.

Se as pessoas não costumam gostar de biscoitos saudáveis, será que querem mesmo um Facebook mais significat­ivo? Não é fato que aquilo que fez com que nos viciássemo­s no Facebook é a indignação fácil que ele propicia —o açúcar, não o brócolis? E, se o modelo de negócios subjacente do Facebook se baseia no tempo que todos nós passamos lá comendo, será que a rede será mesmo capaz de resistir à pressão de nos servir mais biscoitos?

Essas questões não significam que o novo plano de Zuckerberg vá fracassar. Mas, se ele deseja mesmo fazer com que o tempo que passamos no Facebook seja mais positivo, suspeito que o Facebook terá de mudar muito mais radicalmen­te do que seu líder nos revelou. Não bastará que se torne um fornecedor de biscoitos um pouco mais saudáveis; pode ser necessário que abandone de vez o negócio do açúcar. E o que acontece a todos aqueles bilhões em futuros lucros, nesse caso?

O que o Facebook não pode prever é como o mundo reagirá —como usuários, anunciante­s, investidor­es e concorrent­es mudarão seu comportame­nto diante de um feed com menos engajament­o.

Zuckerberg é renomado por ser um competidor feroz e impiedoso. Se os negócios começarem a sofrer por causa do feed mais saudável, duvido que mantenha sua decisão.

O principal atrativo do feed sempre foi a indignação viral fácil. O que sempre o moveu foi a possibilid­ade dedar um “like” rápido sobre algo que desperte interesse passional passageiro do usuário, que logo depois esquece o assunto.

Os usuários querem biscoitos, e não brócolis. É difícil ver de que maneira isso poderia mudar agora. PAULO MIGLIACCI

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