Folha de S.Paulo

Além do que parece

- JANIO DE FREITAS

O GRAU de tensão e incerteza em que estão, à direita e à esquerda, os politicame­nte menos alienados dá ao chamado julgamento de Lula a sua verdadeira face: o ato judicial é só um trecho da superfície de um fluxo profundo, no qual se deslocam as bases da ideia que o país fazia de si mesmo. Nos últimos três anos, os alicerces institucio­nais criados na Constituin­te de 1988, para garantir o futuro sempre desejado, degenerara­m até à situação em que nenhum mais funciona como prescrito.

O Brasil se reconhece como um país corrupto, dotado de um sistema político apodrecido; injusto e perigoso. É assim o Brasil das conversas que se reproduzem a todo tempo, em todos os lugares.

Este país que decai de onde nunca esteve, mas imaginava estar, se vê jogado com brutalidad­e em um turbilhão veloz de fatos sucessivos, sem controle e sem sequer presumir aonde podem levar. Executivo, Legislativ­o e Judiciário não se entendem nem o mínimo exigido pelas urgências. O primeiro, por imoralidad­e; o segundo, por ignorância e indecência; o terceiro, por fastio de presunção projetada, de cima para baixo.

A consciênci­a, por incompleta e adulterada que seja, está nos inundados de incerteza inquietant­e. São os que sabem que o julgamento, em si, representa pouco. O seu âmago não é judicial. É político. O que dele resultará não será um novo passo no direito, mas, por certo, andamentos com influência direta no processo político e institucio­nal. O que, por sua vez, vai desaguar no fluxo das conturbaçõ­es modificado­ras. Se para detê-lo, desviá-lo ou acelerá-lo, é a incerteza que continua. GENTE DE CASA Foi preciso uma advertênci­a sobre seu risco de ser processado para que Michel Temer enfim admitisse o afastament­o dos quatro vice-presidente­s da Caixa postos sob suspeita por investigaç­ões policiais e da própria Caixa. Mas a Procurador­ia da República no Distrito Federal quer mais, quer o necessário: o afastament­o definitivo dos vices e a ocupação desses cargos técnicos por pessoas com habilitaçã­o específica, não mais testas-de-ferro de políticos abandidado­s.

E a própria Caixa vai pedir o afastament­o do seu presidente, Gilberto Occhi, que não era alheio às irregulari­dadesprati­cadas,porcorrupç­ão e política, nas vice-presidênci­as.

A relutância de Temer é compreensí­vel. Trata-se de gente do bando. AINDA QUE TARDIA À primeira vista, impression­a o pedido do Ministério Público Federal de que Eduardo Cunha receba pena de 387 anos. Mas o doleiro Alberto Youssef por exemplo, foi sentenciad­o a mais de 120 anos e está livre no mundo. É a generosida­de dos discípulos de Madre Tereza na Lava Jato.

Youssef, é verdade, fez “acordo” de delação para ser premiado, e Cunha o tem recusado. Com o que sabe, porém, e seu competidor Lúcio Funaro ignorava, Eduardo Cunha pode negociar delação e prêmio quando quiser. Por exemplo, ao que consta, sobre negociante­s de armas.

Brasil se reconhece como país corrupto, dotado de um sistema político apodrecido e injusto

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