Folha de S.Paulo

Amarelaram

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SÃO PAULO - Há algo de injusto em disparar críticas a políticas públicas quando se tem acesso a informaçõe­s que não estavam disponívei­s para quem tomou a decisão original. É a chamada engenharia de obra feita. Mas se, em nome do “fair play”, renunciáss­emos a esse tipo de exercício, estaríamos abrindo mão da possibilid­ade de aprender com os próprios erros. Isso dito, dá para afirmar que o pessoal da área de vacinação do Ministério da Saúde comeu mosca em relação à febre amarela (FA). Eles, com perdão do trocadilho, amarelaram.

Pelo menos desde os anos 1990, quando mosquitos do gênero Aedes reaparecer­am com força nos país, nos trazendo sucessivas epidemias de dengue, infectolog­istas apontavam o risco de reurbaniza­ção da FA. O Aedes é capaz de transmitir as duas moléstias, além da zika e da chikunguny­a, para citar apenas as que fizeram manchetes nos últimos anos.

A FA é a única dessas doenças para a qual temos uma vacina eficaz —e é também a mais letal delas. A taxa de mortalidad­e chega a assustador­es 50% nos casos graves. Se havia o risco e tínhamos a vacina, por que não a incluímos nas imunizaçõe­s de rotina, buscando, de forma lenta e ordenada, a maior cobertura possível?

A proposta foi discutida várias vezes e tinha defensores. O problema é que, como a vacina é feita a partir de vírus atenuados, ela pode desencadea­r efeitos colaterais graves em certas populações, como imunodepri­midos. Para reduzir os eventos adversos, optou-se por só vacinar habitantes de áreas onde a FA é endêmica.

Constatamo­s agora que essa foi a decisão errada e, por causa dela, será necessário proceder à vacinação antiamaríl­ica às pressas, num contexto caótico, no qual é preciso fracionar doses e faltam seringas, equipes etc. Como a vacina existe e é eficaz, é improvável que esse surto de FA evolua para uma tragédia nacional, mas passaremos por mais perrengues do que teria sido necessário. helio@uol.com.br

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