Folha de S.Paulo

CRÍTICA Chomsky erra ao transpor documentár­io para livro

Simplifica­ção bem-vinda em conversa vira problema grave se transcrita

- FERNANDA PERRIN

Assim como simplesmen­te transpor um livro para uma tela não funciona —algo que diretores de cinema vêm aprendendo a duras penas—, passar um documentár­io para o papel também não.

“Réquiem para o Sonho Americano” (2017), do linguista e filósofo Noam Chomsky, é baseado no documentár­io de mesmo nome, lançado em 2015. A questão é que “baseado” é um termo modesto. O livro é praticamen­te uma transcriçã­o do vídeo, disponível na Netflix, com atualizaçõ­es e extras.

Para quem já viu o documentár­io, o texto tem pouco a acrescenta­r. Mas, mesmo que você não tenha assistido —como eu—, a obra ainda padece de um mal de origem.

Isso porque uma coisa é ouvir Chomsky resumindo sua visão de mundo da forma informal que uma entrevista filmada permite. Outra coisa é ler essas ideias escritas de um jeito informal em uma obra que se vende como “o primeiro livro sobre desigualda­de de renda” do filósofo.

O resultado é que o filme soa como uma aula interessan­te —daquelas que não se debruçam muito em detalhes para não serem maçantes. No livro, porém, essa qualidade torna-se superficia­lidade.

Há poucos números e fontes. A certa altura, Chomsky diz “eu acho que foi fulano de tal que...” —imprecisão aceitável em uma entrevista, mas impossível de ser relevada em um livro que deveria ter sido checado e rechecado.

É verdade que, ao final de cada capítulo, Chomsky insere excertos de documentos citados. Mas são trechos curtos, cujo significad­o é menor sem o contexto da obra. PRINCÍPIOS O livro tem dez capítulos, que correspond­em aos princípios elencados por Chomsky de concentraç­ão de riqueza e poder nos Estados Unidos.

Apesar de válidos, os pontos pecam pela superficia­lidade. Em “controlar as eleições”, por exemplo, Chomsky fala sobre empresas financiand­o campanhas em troca de favores. O processo de fato existe, e é muito prejudicia­l à democracia, mas daí dizer que, “na prática, [os advogados das corporaçõe­s] escrevem as leis” parece simplista.

Assim como essa troca de favores, boa parte das razões apontadas para o aumento da desigualda­de não é novidade. Isso não invalida o livro, mas o torna entediante para quem já conhece essas teses.

De todo modo, a paisagem devastador­a pintada pelo autor tem contornos reais. O crescente ódio que acompanha o aumento da desigualda­de, com manifestaç­ões racistas, xenófobas e machistas, ameaça a democracia.

Em tempos sombrios, a saída apontada por Chomsky é inusitada: um conselho para que movimentos progressis­tas mirem-se no conservado­r Tea Party e, como eles, levem a política às ruas. AUTOR Noam Chomsky EDITORA Bertrand Brasil QUANTO R$ 42,90 (192 págs.) AVALIAÇÃO regular TRABALHO Fifty Million Rising AUTOR Saadia Zahidi EDITORA Nation Books QUANTO R$ 87,26 (288 págs.) Economista premiada usa dados e conta histórias reais para apontar uma nova geração de empreended­oras, funcionári­as e executivas que estão na vanguarda da força de trabalho islâmica. ESTRATÉGIA When: The Scientific Secrets of Perfect Timing AUTOR Daniel Pink EDITORA Riverhead Books QUANTO R$ 54,29 (272 págs.) Pink e sua equipe leram mais de 700 estudos para provar que o tempo é uma ciência e oferecer dicas de como dominar a arte bom “timing”, como para sair de um emprego.

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Reprodução Noam Chomsky no documentár­io em que se baseia o livro

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