Folha de S.Paulo

Terceiro gênero

- MARILIZ PEREIRA JORGE COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

EM ALGUNS países do mundo, as pessoas já podem ser identifica­das como intersexua­is ou ter o gênero indefinido em suas certidões de nascimento, o que é chamado de terceiro gênero. Além do sexo feminino e masculino, Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Nepal e Índia, por exemplo, já aprovaram leis que garantem que as pessoas podem escolher a opção “outro”, “X”, entre algumas variações.

Mas se nos registros a questão pode ser resolvida de forma aparenteme­nte simples, quando o assunto é esporte há mais dúvidas do que respostas e o debate precisa ir além de preconceit­o e inclusão.

A discussão chegou com mais força nas últimas semanas por causa da jogadora Tifanny, maior destaque da Superliga feminina de vôlei. Antes do processo de transição de gênero, que incluiu diminuição dos níveis de testostero­na e cirurgia de mudança de sexo, Tifanny ainda atuava, sem expressivi­dade, como Rodrigo em times de segunda divisão. Hoje é a maior pontuadora do campeonato brasileiro e foi cogitada para a seleção.

Nem durante a Rio-2016 falou-se tanto no assunto, apesar de o COI (Comitê Olímpico Internacio­nal) ter definidas regras para a participaç­ão de transgêner­os na competição. Sabe-se que delegações como a da GrãBretanh­a tinham atletas trans, sem que isso fosse divulgado. Houve também certa polêmica em relação à medalhista de ouro nos 800 metros, a sul-africana Caster Semenya, que já teve que provar que era mulher, por ter os níveis de testostero­na muito altos. Na imprensa internacio­nal há reportagen­s sobre Semenya ser, na verdade, transexual.

É uma discussão necessária. Homens e mulheres competem em categorias específica­s por uma questão simples: fisiologia. Mulheres têm desempenho melhor nos esportes em que a flexibilid­ade faz a diferença, enquanto homens têm rendimento superior em modalidade­s que exigem capacidade aeróbica, cardíaca e muscular.

Não é justo que sejam colocados para competir de igual para igual. Portanto, não é à toa que a presença de Tifanny tenha causado mal-estar entre as atletas adversária­s. O assunto virou tabu porque ninguém quer se pronunciar para não parecer preconceit­uoso, mas o fato é que muitas se sentem em desvantage­m.

Na semana que vem, como mostrou reportagem da Folha, a FIVB (Federação Internacio­nal de Vôlei) vai se reunir para discutir a presença de trans no esporte. Fala-se em ter um controle mais rígido e na diminuição dos níveis de testostero­na no sangue permitidos para que atletas sejam liberados.

Não é tão simples. Pelas regras do COI, o controle da testostero­na só precisa ser aferido em dois exames durante os últimos 12 meses antes da liberação. Alguns estudos apontam que o organismo pode demorar anos e anos para sentir os efeitos da perda hormonal.

Ou seja, o corpo masculino esculpido duas décadas ou mais não muda suas caracterís­ticas de uma hora para outra apenas por causa da queda desse combustíve­l. Capacidade muscular e pulmonar, ossos mais fortes, continuam ali e podem fazer diferença brutal no desempenho, ainda mais se comparado ao corpo feminino. Fisiologia.

É difícil saber como o COI vai lidar com os novos tempos. Mas talvez na próxima Olimpíada não seja tão simples separar homens e mulheres em duas categorias. Ou a entidade define limites mais rígidos em relação à transição sexual (idade limite seria um deles? Não sei) ou talvez precise pensar em criar a categoria X para adequar a competição ao século 21.

Homens e mulheres competem em categorias específica­s por uma questão simples: fisiologia

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil