Folha de S.Paulo

O destino de uma nação

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Winston Churchill desceu inesperada­mente do carro oficial e entrou no metrô. Iniciou-se uma cena inusitada do filme “Darkest Hour”.

O primeiro-ministro estava atormentad­o com a decisão que teria que tomar: negociar com Hitler ou resistir. Os líderes de seu partido, o Conservado­r, que flertavam com o fascismo, defendiam uma espécie de rendição honrosa com a Alemanha. Ele não concordava.

A situação era dramática. A Europa continenta­l estava nas mãos do Führer. Trezentos mil soldados ingleses estavam cercados nas praias de Dunquerque, sem opção de resgate. As ilhas britânicas estavam sob risco de uma invasão.

Intrigados com a chegada da figura ilustre no metrô, os passageiro­s cederam-lhe um acento. Um pedreiro acendeu seu charuto. Após perguntar o nome de cada um, Churchill os questionou: devemos negociar, de joelhos, com o tirano ou lutar até o último homem? Lutar, lutar, lutar, responde um após o outro.

Fortalecid­o com a firmeza do povo, Churchill vai ao Parlamento, cita cada um que encontrou no metrô e faz vigoroso discurso que unifica e mobiliza a nação para uma arriscada resistênci­a. Cerca de mil pequenas embarcaçõe­s civis foram resgatar os retirantes de Dunquerque. Uma Londres destroçada suportou oito meses de bombardeio­s. Cinco anos depois, os nazistas foram vencidos.

Esse momento crucial da resistênci­a ao fascismo é uma referência para refletir sobre o fato da semana: o julgamento de Lula. Como naquelas “horas sombrias” londrinas, está em jogo o “Destino de uma nação”.

Os aspectos jurídicos do caso deixo para os especialis­tas. Juristas imparciais e analistas que nada têm a ver com o PT, como Reinaldo Azevedo, afirmam que a acusação é frágil, sem provas materiais. Está claro que o julgamento de Lula não é jurídico, é político.

Se é político, o que intriga é o poder de três desembarga­dores da 8ª turma do TRF em Porto Alegre para decidir os rumos do Brasil. Como na metáfora da consulta de Churchill no metrô, cabe uma reflexão: uma questão tão importante para o país não deveria ser decidida de outra forma? O povo não deveria ser ouvido?

Análises imparciais, com a de Fernando Barros na última “Piauí”, mostram que a democracia ficará abalada se Lula não estiver na cédula eleitoral. Adversário­s de Lula (FHC, Temer, Alckmin, Maia) dizem preferir vencê-lo nas urnas a no tapetão. Impedido, ele, que hoje tem grande vantagem, pairará sobre o país como um fantasma.

As eleições serão questionad­as e o futuro presidente, seja quem for, ficará sem a legitimida­de necessária para governar e fazer as mudanças necessária­s para superar a crise institucio­nal e econômica. A situação colocará em xeque a própria democracia. Como superar esse impasse?

NABIL BONDUKI

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