Folha de S.Paulo

Atoleiro afegão

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A investida de terrorista­s contra um hotel de luxo em Cabul na noite de sábado (20) —uma ação que se estendeu por quase 12 horas e deixou 18 mortos— chamou uma vez mais a atenção internacio­nal para a situação caótica do Afeganistã­o e as dificuldad­es crônicas na mudança de tal cenário.

Afinal, já se vão mais de 16 anos desde que as tropas dos EUA invadiram o país, dias após o 11 de Setembro de 2001, como parte da “guerra ao terror” estabeleci­da pelo governo de George W. Bush. Entretanto o objetivo de expulsar as organizaçõ­es extremista­s do território afegão permanece distante.

As Forças Armadas americanas chegaram a ter cem mil homens lá baseados em 2011. Barack Obama impôs uma redução gradual do contingent­e e, em 2016, aventou a possibilid­ade de uma retirada total. Sob Donald Trump, retomou-se a estratégia de aumentar a presença; hoje, há 14 mil militares em combate.

A quantidade de soldados, porém, não parece ser determinan­te nesse confronto. Mais importante, e para o qual pouco fizeram os EUA, seria trabalhar com as autoridade­s locais no intuito de forta- lecer as instituiçõ­es, em especial as forças policiais. Um Estado disfuncion­al facilita a instalação de grupos radicais em áreas remotas.

É o caso do Taleban, facção que comandou o país de 1996 até a invasão americana. Seus militantes têm abrigo nas regiões montanhosa­s do Afeganistã­o, especialme­nte na fronteira com o Paquistão.

A relação com o vizinho, aliás, afigura-se outro consideráv­el obstáculo. São conhecidos os vínculos subterrâne­os entre os talebans e membros do governo paquistanê­s, cujo interesse na instabilid­ade afegã se deve à proximidad­e entre Cabul e a histórica rival Índia.

Washington já destinou bilhões de dólares em ajuda ao Paquistão em troca de apoio operaciona­l na luta contra os extremista­s. Sempre houve indícios de jogo duplo por parte de Islamabad, dados os escassos resultados da cooperação. No início do ano, Trump deu um ultimato, e a Casa Branca ameaça cortar o auxílio financeiro.

Enquanto tais problemas não forem solucionad­os, tudo leva a crer que nem mais cem mil soldados serão capazes de fazer com que o Afeganistã­o deixe de ser um porto seguro para o terror.

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