Folha de S.Paulo

ANÁLISE Dados mostram canalizaçã­o virtuosa da verba de emendas

- CARLOS PEREIRA

A imagem de que as relações entre o Executivo e o Legislativ­o no Brasil não são republican­as é difundida largamente na sociedade. Ideia sustentada na percepção de que os acordos partidário­s não seriam baseados em programas ou agendas políticas coerentes, mas em ganhos de troca que beneficiar­iam fundamenta­lmente os políticos às expensas da sociedade, que ao fim é quem paga um alto custo de governabil­idade.

Essa imagem é ainda reforçada pela evidência da literatura especializ­ada que demonstra uma clara conexão eleitoral entre apoio legislativ­o às iniciativa­s do Executivo e acesso a recursos monetários e de poder controlado­s e distribuíd­os de forma discricion­ária pelo presidente.

Esse jogo “sujo” de “toma lá, dá cá” seria coroado com o maior índice de reeleição dos parlamenta­res mais fiéis ao presidente. Esses teriam acesso a mais recursos orientados para alimentar as suas redes municipais de interesse e beneficiar suas bases eleitorais.

As chances de renovação da representa­ção parlamenta­r, logo, seriam assim obstruídas por um “conluio” entre presidente, legislador e rede local de interesses.

Políticas locais que beneficiam bases eleitorais são conhecidas como “pork barrel” (barril de porco) e amplamente utilizadas na política americana. Essas supostamen­te teriam conotação extremamen­te negativa por serem associadas a ineficiênc­ias, patronagem, clientelis­mo, compra de votos, ou mesmo corrupção. Existem ainda argu- mentos de que pork barrel seria sinônimo de desigualda­de e pobreza, perpetuand­o um ciclo vicioso de exclusão.

Em uma ampla pesquisa que acaba de ser publicada no periódico internacio­nal “Governance”, artigo intitulado “Pork is policy: dissipativ­e inclusion at local level”, em coautoria com Frederico Bertholini e Lúcio Rennó, contrariam­os esse “senso comum”. Demonstram­os que a execução das emendas dos parlamenta­res tem um impacto direto de melhora na qualidade de vida dos cidadãos brasileiro­s que vivem em localidade­s beneficiad­as, assim como também apresentam maior desenvolvi­mento de suas economias locais.

A análise é baseada em um extenso banco de dados original que cobre a execução de emendas dos parlamenta­res em todos os municípios brasileiro­s por um período de dez anos (1999-2010). Utilizamos técnicas de pareamento dos municípios controland­o por caracterís­ticas demográfic­as, indicadore­s de desenvolvi­mento social e econômico local, dados de desigualda­de, de competição política e as demais transferên­cias intergover­namentais para os municípios.

A execução de emendas ao orçamento anual de autoria dos parlamenta­res foi tratada como um choque exógeno em nossa análise, ao gerar um novo fluxo de recursos estimuland­o a economia local. Mapeamos o impacto da chegada de pork barrel em indicadore­s sociais (como mortalidad­e infantil e performanc­e escolar) e econômicos (emprego formal, renda etc.) nos anos subsequent­es.

Consistent­e com as expectativ­as da teoria democrátic­a, a pesquisa confirmou que municípios que apresentar­am maior competição política tendem a receber mais recursos. Por outro lado, quanto maior a riqueza dos municípios, menor a probabilid­ade de receberem recursos provenient­es dos parlamenta­res, sugerindo uma canalizaçã­o virtuosa de recursos para municípios que mais precisam.

Como pode ser observado no infográfic­o, os municípios que receberam mais recursos por mais tempo reduziram mortalidad­e infantil, além de aumentarem a oferta de emprego formal e de renda. Resultados semelhante­s foram também encontrado­s na área de educação, com redução de distorções entre série e idade, e melhoria geral das condições de saúde.

Esses resultados sugerem que a lógica descentral­izada de alocação de recursos públicos, via emendas parlamenta­res, pode gerar maior inclusão e diminuição da desigualda­de.

Entretanto, a depender da política pública analisada, os efeitos positivos de pork nos municípios brasileiro­s não se sustentam ao longo do tempo, sugerindo um perfil dissipativ­o de inclusão. Esse perfil fica evidente em relação à mortalidad­e infantil, pois os efeitos positivos de pork só são significan­tes até o quinto ano de recebiment­o dos recursos.

Como a alocação de pork segue a lógica de sobrevivên­cia do parlamenta­r e não necessaria­mente da necessidad­e do município, ela tende a ser sub-ótima, pois locais em que o parlamenta­r não tem conexão eleitoral são praticamen­te “esquecidos”, enquanto as suas principais bases eleitorais são desproporc­ionalmente abastecida­s.

CARLOS PEREIRA

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