Folha de S.Paulo

Especialis­tas divergem a respeito da posse

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O presidente Michel Temer decidiu usar o episódio da suspensão de posse no Ministério do Trabalho para confrontar o Judiciário e tentar blindar a reforma do primeiro escalão do governo, que pretende fazer em março.

Temer foi aconselhad­o por auxiliares a recorrer ao plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) e alegar que são “inconstitu­cionais” as decisões da Justiça que suspendera­m a posse de Cristiane Brasil (PTB-RJ) na pasta.

A preocupaçã­o no Palácio do Planalto é que os 13 novos nomes que Temer precisará escolher para sua equipe até abril —prazo limite para os ministros que disputarão eleições deixarem seus cargos— também sejam impedidos de tomar posse por decisões de juízes de primeiro grau.

O Planalto decidiu provocar o STF sobre o tema depois que a presidente da corte, Cármen Lúcia, suspendeu temporaria­mente a nomeação da deputada.

Na madrugada desta segunda-feira (22), a chefe do Supremo deu prazo de 48 horas para ter acesso ao “inteiro teor da decisão do Superior Tribunal de Justiça”.“Se for o caso”, diz o despacho, “e com todas as informaçõe­s, a liminar poderá ser reexaminad­a”.

O objetivo de Temer é garantir a posse de Cristiane e proteger futuras nomeações.

Já nesta segunda, os principais auxiliares do presidente —Eliseu Padilha (Casa Ci- vil), Moreira Franco (Secretaria de Governo) e Carlos Marun (Secretaria de Governo)— começaram a ecoar essa tese.

O chefe da Casa Civil, por exemplo, afirmou que o governo vai “prosseguir na disputa judicial” para dar posse a Cristiane e que a escolha de assessores é uma “decisão política” de Temer.

Para fundamenta­r seu argumento, Padilha diz que o Planalto “tem absoluta convicção de que o direito está a seu favor” e cita artigo da Constituiç­ão que trata da competênci­a privativa do presidente da República de nomear e exonerar ministros.

Moreira, por sua vez, afirmou que Temer vai “cumprir os ritos definidos na Constituiç­ão e nas leis” e percorrer “todo o caminho” na Justiça para dar posse à deputada.

Após evento no Planalto, nesta segunda, Marun foi escalado para dizer que o presidente não desistiu da nomeação de Cristiane e que buscará no STF o “reconhecim­ento da óbvia prerrogati­va de nomear ministros”.

Segundo Marun, outros nomes não são cogitados para comandar o Trabalho.

O Palácio do Planalto prevê que a discussão entre os ministros do STF poderá ser mais um elemento de desgaste. A expectativ­a é que os ministros Luis Roberto Barroso e Luiz Fux façam discursos contrários à nomeação. O presidente, contudo, acredita que conseguirá uma ligeira vantagem, que permitirá a posse da deputada federal.

No entanto, o plenário do Supremo deve discutir o tema só em fevereiro, após o fim do recesso. Até lá, quem define assuntos tidos como urgentes é a presidente do STF. (MARINA DIAS, BRUNO BOGHOSSIAN, GUSTAVO URIBE E DANIEL CARVALHO)

DE BRASÍLIA

Diferentes interpreta­ções da Constituiç­ão levam a opiniões distintas sobre as decisões que suspendera­m a posse da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), condenada em ações trabalhist­as, como ministra do Trabalho.

Para Carlos Ayres Britto, ex-ministro do STF, o Judiciário tem de fazer uma “interpreta­ção casada, sistêmica” dos princípios que regem a administra­ção, contidos no artigo 37 da Constituiç­ão.

“O modo correto de interpreta­r esse artigo, a meu juízo, é: o princípio regente dos atos administra­tivos é a lei, mas não basta isso. É preciso aplicar a lei de um modo impessoal, moral, transpa- rente e eficiente”, diz.

Ele cita diferentes artigos para mostrar “a soberania do trabalho” na Constituiç­ão, como o que o coloca entre os direitos sociais ao lado da educação e da saúde (art. 6º) e o que diz que “a ordem social tem como base o primado do trabalho” (art. 193).

Na visão do ex-ministro, se Cristiane fosse nomeada para outro ministério “seria difícil” fundamenta­r uma decisão que concluísse pela incompatib­ilidade entre sua biografia e o cargo.

Opinião oposta tem Eloísa Machado de Almeida, coordenado­ra do Supremo em Pauta da FGV-SP. Segundo ela, “a Constituiç­ão exige apenas a idade mínima de 21 anos e o pleno exercício dos direitos políticos (art. 87)” para que alguém possa ser nomeado ministro.

Questionad­os sobre semelhança­s entre o caso de Cristiane e o do ex-presidente Lula, cuja posse como ministro foi suspensa pelo ministro Gilmar Mendes em 2016, Ayres e Almeida veem diferenças.

Naquele caso, Mendes considerou a nomeação uma forma de dar a Lula foro privilegia­do, um desvio de finalidade. Agora, diz Ayres, o bem a que se busca proteger é um direito social.

“Os argumentos são diferentes, mas a postura do Judiciário é igual: interferir em atribuição do presidente, criando impeditivo­s à revelia do que diz a lei”, diz Almeida. (REYNALDO TUROLLO JR.)

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Ueslei Marcelino/Reuters O presidente Michel Temer, que nomeou Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho

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