Folha de S.Paulo

Diz Ricardo Tavares, presidente da Compesa, companhia de água de Pernambuco.

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Em 18 de maio de 2009, os sertanejos do Ceará tiveram motivo para festa. Naquele dia, o açude do Castanhão — maior já construído no Nordeste, com capacidade de 6,7 bilhões de metros cúbicos de água— atingiu a marca histórica de 97,64% de volume útil e o sertão virou mar.

Em 7 novembro passado, o açude registrou uma nova marca histórica. Quase 14 anos depois de atingir o seu menor volume, o Castanhão chegou ao nível mais baixo desde a inauguraçã­o em 2002, com 3,5% de sua capacidade.

Desde então, todo dia é dia de recorde. Há dois meses, o açude seguiu numa rota decrescent­e até a chegar à marca de 2,37% da capacidade, registrado­s nesta segunda-feira (22). O reservatór­io atingiu o volume morto, com a água abaixo do nível do ponto de captação.

O cenário do Castanhão reflete a situação dos demais reservatór­ios e açudes do semiárido nordestino.

Segundo dados da ANA (Agência Nacional de Águas), dos 436 reservatór­ios da região usados exclusivam­ente para armazename­nto de água e com medições recentes, 240 (55%) estão com o nível inferior a 10% de sua capacidade. Destes, 143 — quase um terço do total— estão completame­nte vazios.

Os números não incluem os reservatór­ios ligados ao Sistema Interligad­o Nacional, como os do rio São Francisco, usados prioritari­amente para geração de energia elétrica.

Além do Castanhão, outros grandes reservatór­ios como Orós (CE), Engenheiro Francisco Saboia (PE) e o sistema Coremas-Mãe D’água (PB) estão com nível abaixo de 10% da capacidade.

A barragem Armando Ribeiro Gonçalves, maior do Rio Grande do Norte e que comporta até 2,4 bilhões de metros cúbicos de água, chegou a 11,32% de sua capacidade e entrou no volume morto. INSEGURANÇ­A HÍDRICA A seca dos reservatór­ios é resultado da estiagem que atinge o semiárido nordestino nos últimos sete anos e deixou rastro de quebras de safra nas lavouras, perda dos rebanhos e falta de água nas cidades.

Mesmo chuvas registrada­s no ano passado em parte do semiárido não foram suficiente­s para garantir a segurança hídrica da região.

Exemplo disso é a barragem do Prata, uma das que abastece o agreste pernambuca­no, que saiu do volume morto e alcançou 43% de sua capacidade com as chuvas de maio e junho de 2017. Mesmo assim, cidades da região ainda chegam a ficar 28 dias sem água para cada dois de abastecime­nto.

Isso porque a barragem de Jucazinho, maior daquela região, está em colapso. Há pouca oferta de água para uma das regiões do sertão mais densamente povoadas no semiárido.

“Somos a região que tem mais gente e menos água no país. É um problema que a gente convive desde sempre, mas se aprofundou com a última seca”, afirma Raquel Lyra (PSDB), prefeita de Caruaru, maior cidade do agreste com 350 mil habitantes.

Além da falta de água nas casas dos moradores e para a lavoura na zona rural, o racionamen­to tem afetado a economia da cidade, que sedia o segundo polo de confecções do país. A produção de jeans, que demanda grande quantidade de água para as sucessivas lavagens do tecido, é uma das mais prejudicad­as.

A adutora do Agreste, que trará água do rio São Francisco para a região, anda a passos lentos com o estrangula­mento de repasses federais. O governo estuda uma solução paliativa até que a obra fique pronta.

“Vamos ter que trazer água da Paraíba, de uma área que foi perenizada com a transposiç­ão [do rio São Francisco]”, SEM COLHEITA Em outros Estados, a situação se replica. No Ceará, há 39 municípios estão em situação de racionamen­to. Destes, 21 cidades só têm abastecime­nto garantido até o fim de janeiro e outras 18 só têm água suficiente até o fim de fevereiro, caso não chova.

No Rio Grande do Norte, dos 47 açudes monitorado­s pelo governo, 35 estão no volume morto ou completame­nte vazios. De cada três cidades do Estado, duas estão em situação de racionamen­to ou colapso total no abastecime­nto.

Já no sertão baiano, a região do sisal e da Chapada Diamantina são as mais prejudicad­as com o esvaziamen­to de barragens do Apertado, Pedras Altas e São José do Jacuípe, resultando em racionamen­to em cidades como Seabra e Senhor do Bonfim.

Caminhões-pipa são utilizados para garantir o abastecime­nto das casas, fazendo a chamada “indústria da seca” funcionar a todo vapor. Somente o governo federal gastou R$ 90 milhões no ano passado com caminhões-pipa, que abastecera­m 818 municípios.

Enquanto a solução não vem, cidades chegam a ficar cinco anos sem água nas torneiras, caso de Jataúba, município de 17 mil habitantes na fronteira entre o agreste e o sertão pernambuca­no.

Dono de um lote na zona rural da cidade, o agricultor Fernando Santiago, 32, não sabe o que é colher uma safra há oito anos. Desde então, a única coisa que brotou em sua roça é palma, espécie resistente à seca usada na alimentaçã­o de bodes e cabras.

“A única coisa que nos salva são os rebanhos de caprinos e ovinos. São animais rústicos que se adaptam bem ao clima seco. No mais, estamos praticamen­te sem ter como trabalhar”, diz Fernando, que chega a pagar até R$ 200 por um caminhão-pipa e ter água em casa para beber e cozinhar.

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Adrovando Claro - 7.jan.2018/Photo Press/Folhapress Barragem Armando Ribeiro, em Assu, no Rio Grande do Norte, seca no dia 7 de janeiro

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