Folha de S.Paulo

‘Tá no Ar’ defende colocar a ‘cara a tapa’

Em lançamento do programa, no Projac, estudante questionou criadores do programa pela ausência de negros

- GUSTAVO FIORATTI

Ator Marcius Melhem afirmou que elenco fixo só com brancos traz limitações para a composição de cenas

Houve, há duas semanas, uma cerimônia de lançamento nos estúdios da Globo no Rio, o Projac, da quinta temporada do humorístic­o “Tá no Ar”, com a participaç­ão de atores, roteirista­s, diretores, jornalista­s e —fez toda a diferença— um grupo de universitá­rios convidados.

A estreia é nesta terça (23), na faixa das 23h.

Passada cerca de meia hora de bate-papo, uma menina negra pediu o microfone e fez o que mais tarde Adnet chamou de “a pergunta que merece um Oscar”. Ela disse: “Incrível que vocês estejam há cinco anos no ar. Mas não me sinto representa­da. Por que não há atores negros?”.

Marcelo Adnet, Marcius Melhem e o diretor do programa, Maurício Farias, até aquele momento, haviam defendido o “Tá no Ar” sob um argumento: segundo eles, houve uma conquista progressiv­a de liberdade, dentro da emissora, para abordar assuntos polêmicos, parodiar programas, marcas e propaganda­s.

Bala perdida, assédio sexual, manifestaç­ões de conservado­res são assuntos abordados nesta temporada.

“Os riscos a gente tem em todas as cenas praticamen­te. Somos respaldado­s pela emissora para poder ir fundo nessas questões. A gente não pode errar o tiro. E tentamos ser o mais exatos possível”, disse Melhem.

Com a pergunta inesperada, reconheceu-se, porém, uma limitação imposta pela ausência de negros.

“Isso é sempre uma questão para nós”, disse Melhem. “A química de formar um elenco se dá por muitas razões. A gente gostaria de um programa de representa­tividade, porque isso aumentaria nosso leque de opções. Talvez seja uma falha não ter conseguido encontrar uma química com alguém.”

O ator citou, em seguida, participaç­ões especiais, como a de Érico Brás, na temporada passada, e disse também que os convites a intérprete­s negros foram feitos, mas que tais convidados não aceitaram o trabalho por “questões de agenda”.

Melhem falou sobre as limitações para abordar questões raciais. “Na nossa redação também não tem um negro. É complicado. Na nossa direção não tem um negro. E, se você perguntar se dentro da rede Globo...” Ele interrompe­u a frase com risos nervosos.

Em 2015, o “Tá no Ar” foi criticado por utilizar black face em uma paródia de comercial das Casas Bahia (transforma­da em Escravas Bahia, com o subtítulo “servidão total pra você”).

Encenou-se uma promoção de escravos, com atores brancos pintados de negros. Ativistas negros tomam a prática da black face como símbolo da opressão pois, desde antes da abolição da escravatur­a, tem sido um expediente para suprir a ausência de negros no mercado de trabalho.

“E aí o que a gente fez? Como a gente podia se mostrar solidário com esse movimento, sem roubar o lugar de fala? A gente fez o ponto de vista do branco, um mea culpa.” PORTA EMPERRADA A resposta foi o esquete “Branco no Brasil”, na temporada passada, com um filme que imita o comercial de um banco, no qual diversos brancos assumem: “Tenho privilégio­s, as melhores escolas etc.”, conta Melhem.

A cena colocava “o negro sempre no canto, servindo o branco”. “Estávamos dando a cara a bater, a cena expunha que não tínhamos negros entre nós, só na figuração.”

O ponto culminante da cena era o de uma porta giratória, em uma agência bancária, emperrando durante a passagem de uma mulher negra. Segundos antes uma cliente branca havia entrado na agência, portando sua bolsa, e contava a vantagem de que, com ela, a porta nunca parava.

A cena acaba com o seguinte texto: “Ser branco no Brasil é ter um tratamento diferencia­do, todos os dias, em qualquer lugar. Branco no Brasil: há mais de 500 anos levando vantagem.” NA TV Tá no Ar ter., 23h20, na Globo

 ?? João Miguel Júnior/Divulgação ?? O ator Welder Rodrigues (ao centro) e dois figurantes em cena do humorístic­o ‘Tá no Ar’, da Globo; o quadro faz paródia do programa ‘The Voice Kids’, da mesma emissora
João Miguel Júnior/Divulgação O ator Welder Rodrigues (ao centro) e dois figurantes em cena do humorístic­o ‘Tá no Ar’, da Globo; o quadro faz paródia do programa ‘The Voice Kids’, da mesma emissora

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