Folha de S.Paulo

Passo correto

Caixa Econômica muda seu estatuto e dificulta nomeação política de dirigentes; gestão da estatal, porém, precisa superar vícios arraigados

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Em que pese a lentidão do governo em fazer valer na Caixa Econômica Federal (CEF) as restrições para indicações políticas estipulada­s na Lei de Responsabi­lidade das Estatais, de 2016, as decisões recentes relativas à reorganiza­ção administra­tiva e à capitaliza­ção da instituiçã­o são positivas.

A CEF acaba de aprovar um novo estatuto, que visa alinhar, em tese ao menos, suas regras de conduta e governança às melhores práticas empresaria­is, em consonânci­a com a Lei das Sociedades Anônimas.

Uma das principais mudanças foi dar ao Conselho de Administra­ção o poder de nomear e destituir vice-presidente­s, o que até então era papel do Palácio do Planalto —facilitand­o o loteamento partidário. Fixaram-se, ademais, exigências técnicas para o preenchime­nto dos cargos.

Assim, a Caixa destituiu três de quatro dirigentes que se encontram sob suspeita de vazamento de informaçõe­s privilegia­das e negociação de cargos (outro foi reconduzid­o por falta de evidências), conforme recomendaç­ão do Ministério Público e do Banco Central.

A possibilid­ade de indicação de membros pelo presidente da República está mantida, mas doravante os nomes deverão ser aprovados em assembleia e passarão pelo crivo do Banco Central, tal como ocorre nos bancos privados.

Precisarão, além disso, cumprir requisitos como ter dez anos de experiênci­a no setor financeiro ou quatro como membros de conselhos ou comitês de auditoria.

O fato de ao menos 30 operações envolvendo a Caixa, sobretudo referentes a financiame­ntos para grandes empresas, estarem sob investigaç­ão do Tribunal de Contas da União demonstra os riscos da interferên­cia política.

Outra boa notícia diz respeito ao modo de conduzir a capitaliza­ção do depauperad­o banco estatal.

Em vez de recorrer ao caminho fácil de buscar até R$ 15 bilhões em recursos do FGTS (que pertencem aos trabalhado­res, não ao governo), o plano prevê o uso de instrument­os de mercado e a retenção de dividendos que seriam pagos ao Tesouro nos próximos dois anos.

As mudanças reforçam a condução técnica e a transparên­cia das decisões da instituiçã­o, embora sua plena eficácia vá depender do abandono de vícios arraigados na administra­ção pública.

Recorde-se, a esse respeito, a ironia liberal de Roberto Campos (1917-2001) sobre a diferença entre a empresa privada e a estatal —a primeira, no Brasil, seria controlada pelo governo intervenci­onista; a segunda, por ninguém. SÃO PAULO - BRASÍLIA -

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