Folha de S.Paulo

Num estupendo verão

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RIO DE JANEIRO - No verão de 1958, há 60 anos, exatamente nesta época, num predinho da rua Nascimento Silva, o jovem Tom Jobim estava tirando do piano uma beleza atrás da outra. A alguns quarteirõe­s, na esquina de Henrique Dumont com a praia, o poeta Vinicius de Moraes vestia com letras essas canções. Ou o contrário —a música é que era aplicada à letra.

Elas se destinavam a um LP a ser produzido pelo jornalista Irineu Garcia para seu selo fonográfic­o, Festa, especializ­ado em gravar poetas lendo seus poemas. Irineu lançara ótimos discos com Drummond, Bandeira, Schmidt, João Cabral, mas sentia que, com Vinicius, deveria fazer diferente.

Vinicius era musical. Gostava de tocar violão e cantar em casas de amigos e, desde 1956, estava ligado a Jobim. Eles tinham feito o musical “Orfeu da Conceição”, de que saíra “Se Todos Fossem Iguais a Você”. Donde, pensou Irineu, por que não gravar Vinicius com música, na voz de uma cantora como, digamos, Dolores Duran?

Tom e Vinicius, empolgados, apresentar­am a Irineu um caderno com 13 novas canções, já com arranjos de Tom. Ao violinista Irany Pinto coube arregiment­ar os músicos, e que timaço ele armou: Copinha na flauta, Gaúcho e Maciel nos trombones, Herbert na trompa, Vidal no contrabaix­o, Juca Stockler na bateria e mais sete violinos, duas violas e dois cellos. O estúdio seria o da Odeon, no edifício São Borja, em frente à Cinelândia, o mesmo, aliás, em que Tom trabalhava como arranjador.

Não houve acordo com Dolores —ela pediu alto demais. Vinicius sugeriu Elizeth Cardoso e Elizeth topou. Tom trouxe um violonista que achava indispensá­vel para certas faixas —João Gilberto. E assim, dali a dias, naquele estupendo verão, gravouse o LP “Canção do Amor Demais”. Que abria direto com um samba chamado “Chega de Saudade”, e o resto você sabe. ANDRÉ SINGER avsinger@usp.br

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