Folha de S.Paulo

A GRANDE FAMÍLIA

Em Caetés, impera a crença de que Lula foi injustiçad­o; a versão dada pela defesa é o argumento na ponta da língua de parentes do expresiden­te, de que não há provas de que ele seja dono do tríplex

- JOÃO PEDRO PITOMBO

Está todo mundo chateado. Se não tiver Lula, vamos votar com raiva

Sentados em torno de uma mesa de madeira no quintal do sítio, seis dos oito filhos de Lindinalva Ferreira de Melo, 68, dividem-se entre cervejas e pratos de sarapatel. O clima é de confratern­ização, mas o principal tema das conversas é indigesto.

O parente mais ilustre da família, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sofreu esta semana um dos golpes mais duros de sua carreira política. Dois dias após Lula ser condenado pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) a uma pena de 12 anos e um mês de prisão por corrupção, sua família não engole a derrota.

O sítio de Lindinalva, prima de Lula, fica na zona rural de Caetés (PE), a poucos metros da casa onde Lula nasceu e viveu até os sete anos, quando a cidade ainda era um distrito da vizinha Garanhuns, no agreste pernambuca­no.

Foi lá, entre plantações de maxixe e jerimum, que parte da família acompanhou a decisão dos desembarga­dores do TRF-4 de condenar e aumentar a pena de Lula no processo do tríplex de Guarujá.

E se indignaram com a possibilid­ade de ver o filho ilustre da família fora das urnas na eleição presidenci­al de outubro.

Em frente a uma bacia de plástico, Lindinalva trata pequenas tilápias pescadas em uma represa próxima ao sítio. Coloca os peixes e os adversário­s do ex-presidente na frigideira.

“Lula tem que sair candidato para a gente dar uma pisa naquele velho sem vergonha”, disse Lindinalva. Referia-se ao presidente Michel Temer (MDB). Para ela, o principal culpado da situação que hoje vive o petista.

Sem Lula nas urnas, ela diz não ter uma segunda opção de voto para presidente. O sentimento é compartilh­ado não só por familiares como por outros moradores da região. Falam em anular o voto ou nem sequer comparecer na seção eleitoral no dia de votar.

“Está todo mundo chateado. Se não tiver Lula, vamos votar com raiva”, diz Vanderli Ferreira, o Vando, um dos filhos de Lindinalva e primo em segundo grau do petista.

Lindinalva até admite votar em alguém indicado por Lula, mas diz que não pode ser qualquer um —decepcio- nou-se com o governo da expresiden­te Dilma Rousseff (PT). Diz desconhece­r Fernando Haddad ou Jaques Wagner, potenciais candidatos petistas em caso da candidatur­a de Lula ser impugnada.

Gilberto Ferreira, 70, também primo de Lula, aprova o nome de Haddad, mas dá uma sugestão de candidato impensável na cúpula do PT: o senador Paulo Paim (PTRS). “Acho ele muito sério”, afirma.

O primo de Lula afirma ter assistido à sessão do julgamento do início ao fim e criticou o desempenho dos de- sembargado­res João Pedro Gebran, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus: “A votação deles foi toda combinada”.

No sítio vizinho, Antônio Ferreira, 68, outro primo que conviveu com Lula durante a infância em Caetés, diz que votaria no petista “cem vezes, VANDERLI FERREIRA primo em 2º grau do ex-presidente

“ele já está, né? Como é que ele vai para a Presidênci­a? Para mim não tem nenhuma chance

ANTÔNIO FERREIRA primo de Lula se cem vezes ele fosse candidato”.

Mas, resignado, afirma que não vê chance de o primo voltar a ocupar o Palácio do Planalto: “Condenado ele já está, né? Como é que ele vai para a Presidênci­a? Para mim não tem nenhuma chance”, afirmou o primo. INOCENTE Em Caetés, impera a crença de que Lula foi injustiçad­o com a condenação. A versão dada pela defesa do ex-presidente é o argumento na ponta da língua da família do expresiden­te: não há provas de que o ex-presidente seja dono do tríplex.

Todos os familiares de Lula ouvidos pela Folha, sem exceção, dizem acreditar que o ex-presidente petista seja inocente —pelo menos três deles o compararam a Jesus Cristo.

“Não há nenhuma prova contra ele, nunca houve”, diz Gilberto. Lindinalva tem a mesma opinião: “Ele está sendo perseguido”.

Antônio afirma que, mesmo que Lula tenha praticado algo irregular, ele não merecia ser condenado “por tudo queelefezp­elopaís”.

O sentimento de injustiça dos primos de Lula ganha contornos ainda mais fortes quando falam de outros políticos.

“Aquele Aécio Neves [senador do PSDB] está aí, com a cara pra cima”, diz Lindinalva. O filho dela ainda complement­a citando um aliado de Lula: “E Renan Calheiros [senador do MDB de Alagoas]? Aquele deve ter dez apartament­os e cem sítios e está solto até hoje”.

Entre as doses de cachaça, goles de cerveja e garfadas de peixe e sarapatel, a indignação­dálugaràga­lhofadeVan­do, Ernando, Erlan, Vanderlei, Ezequiel e Eliezer, filhos de Lindinalva.

“Se a Justiça diz que o tríplex é mesmo de Lula, ele devia ocupar, levar todo mundo para lá”, disse um deles.

Um amigo da família aponta uma solução para o caso de o ex-presidente ser preso: “A gente pode fazer um revezament­o. Cada um fica um dia na prisão no lugar de Lula”, diz.

Na frente da casa, as caixas de som de uma caminhonet­e ecoam a voz aguda de Lairton e Seus Teclados. “Você só colheu o que você plantou”, canta o ícone do brega nordestino. Mas ninguém ousa relacionar os versos com a situação de Lula.

Enquanto isso, mesmo com a defesa convicta de seus conterrâne­os, nenhuma faixa ou placa fazia referência a Lula nas ruas da sua cidade natal.

Mas a concorrênc­ia já está à espreita: em outdoor instalado logo na entrada de Garanhuns, um Jair Bolsonaro sorri para os eleitores.

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Fotos Fernando Vivas/Folhapress A aposentada Lindinalva Ferreira de Melo, prima do ex-presidente Lula, com o marido, filhos e neto, em Caetés
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Vista da cidade de Caetés, em Pernambuco, terra natal do ex-presidente Lula (PT)

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