Folha de S.Paulo

Para líder, é ‘América primeiro’ ou ‘América fora’

- CLÓVIS ROSSI

FOLHA

A manchete inescapáve­l para o discurso de Donald Trump nesta sexta-feira (26) em Davos foi, mundo afora, tirada da frase “América primeiro não quer dizer América sozinha”.

À primeira vista, parece desmentir o isolacioni­smo que se atribuiu ao presidente americano, já durante a campanha eleitoral e, muito mais, após a posse.

Mas é só à primeira vista, porque todo o resto do discurso foi uma reafirmaçã­o de que os Estados Unidos de Trump só se envolverão (comercialm­ente) com o resto do mundo se for nos termos definidos por Trump –ou seja, se prevalecer o interesse americano.

Disse Trump: “Nós apoiamos o livre comércio, mas ele precisa ser justo e precisa ser recíproco, porque, no fim, comércio injusto prejudica todos nós. Os Estados Unidos não fecharão mais os olhos para práticas econômicas injustas”.

Antes do discurso, um alto funcionári­o americano, falando aos jornalista­s na condição de que o nome não fosse citado, especifico­u o que o presidente considera “práticas injustas”: “coisas como o roubo de propriedad­e intelectua­l, transferên­cias de tecnologia forçadas, subsídios industriai­s, planejamen­to econômico estatal, dumping”.

No discurso propriamen­te dito, Trump mencionou apenas três itens (roubo de propriedad­e intelectua­l, o controle estatal da economia e os subsídios industriai­s; os dois primeiros, no passado, ele vinculara à China, não mencionada nesta sexta-feira).

O Brasil também entra frequentem­ente na lista de países que não respeitam a propriedad­e intelectua­l.

É forçoso reconhecer, goste-se ou não do discurso de Trump, que foi coerente com suas práticas: ao retirar os Estados Unidos da TPP (Parceria Transpacíf­ico), o presidente alegou que a maneira como foi concebida é injusta para com os Estados Unidos. Tanto que acena aceitálo agora, desde que nos seus termos.

Vale idêntico raciocínio para a renegociaç­ão do Nafta (o acordo entre EUA, Canadá e México).

Coerência à parte, Trump faz questão de ignorar que as regras comerciais vigentes foram desenhadas essencialm­ente pelos próprios Estados Unidos, com a colaboraçã­o da União Europeia, nos tempos em que as potências ocidentais tinham hegemonia incontrast­ável na economia.

Agora, no entanto, a China disputa a liderança econômica global com os Estados Unidos, o que deixa em aberto saber se Trump terá condições de impor suas regras nas negociaçõe­s comerciais.

discurso de Trump teve um segundo enfoque para reforçar seu lema de “America First”: o bom momento da economia americana, que ele atribui à sua gestão, após “anos de estagnação” (o “New York Times”, sempre crítico, lembrou que o cresciment­o econômico desde que ele tomou posse foi similar ao que ocorreu em 2014 e 2015).

Dois números impactante­s foram citados: o aumento de US$ 7 trilhões na riqueza, quando medida pelo valor das ações em Bolsa, e a criação de 2,4 milhões de empregos.

É música aos ouvidos do público majoritári­o em Davos, que são executivos das grandes corporaçõe­s globais, como notou Roula Khalaf no “Financial Times”: “Os homens de negócio americanos adotam a atitude de dizer ‘não gosto do que ele diz, mas gosto do que ele faz’”. DONALD TRUMP

Como homem de negócios, sempre fui bem tratado pela imprensa. Até ser eleito presidente e ver quão má, nojenta, perversa e falsa a imprensa é

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil