Folha de S.Paulo

THE FUTURE IS HISTORY

- FELIPE GUTIERREZ

O governo de Vladimir Putin persegue gays e lésbicas, encontra meios de barrar concorrent­es com chances reais de vitória nas eleições e é suspeito de estar por trás de assassinat­os de dissidente­s.

A repressão é propositad­amente difusa, para que as pessoas não consigam capturar sua lógica e se precaver.

Segundo Masha Gessen em seu “The Future is History” (“O Futuro é História”, em tradução livre), a Rússia é um regime totalitári­o. O totalitari­smo, ela argumenta, não é responsabi­lidade apenas de Putin e seus assessores, mas fruto da herança do que chama de “homem soviético”.

O livro se propõe a descrever as maneiras pelas quais a URSS deixou marcas profundas no cidadão comum a partir de pessoas que viveram lá.

Gessen narra a história de sete membros da classe média, como uma psicóloga, um professor de ciência política, uma ativista e um sociólogo.

Para a autora, a Rússia teve chance de se tornar um país democrátic­o entre os governos de Mikhail Gorbatchov (1990-1991) e Boris Ieltsin (1991-1999). A descrição dessa era é a parte boa do livro.

As famílias e as empresas precisaram se reorganiza­r economicam­ente, e faltavam instituiçõ­es para reforçar o funcioname­nto do mercado.

Nesse ambiente, multiplica­ram-se esquemas de “pirâmide”, que prometiam fortuna sem trabalho.

Sem órgãos para regular o mercado, a ocupação de empresário passou a envolver riscos. A psicóloga cuja vida o livro narra evitava atender esses clientes, que iam ao consultóri­o com pistolas.

Outra personagem trabalhou em uma agência para que multinacio­nais pudessem ter suas relações com o governo facilitada­s.

Ela encontrava maneiras para companhias estrangeir­as pagarem propina a dirigentes russos sem que isso compromete­sse protocolos de “compliance”.

Nesses anos, as pessoas tinham mais liberdade econô- mica, mas enxergavam menos oportunida­des na vida, aponta Gessen com base em pesquisas feitas no período.

Os supermerca­dos foram inundados por coxas de frango de origem americana —pedaços da ave que não eram valorizado­s nos EUA.

Para parte da população, as “coxas do Bush”, como ficaram conhecidas, eram um lembrete cotidiano da humilhação que o inimigo de décadas impôs à Rússia.

À falta de ânimo se somou uma imagem de nação decadente enquanto força militar. HOMEM FORTE É nesse momento que Putin aparece, mas o texto mal explica o sucesso do presidente, que, com interrupçõ­es, está no poder desde 1999. Só uma personagem do livro, um sociólogo meio picareta, se alinha com Putin.

Gessen fornece, porém, um contexto para a aceitação do presidente. De imediato, Putin fez sucesso porque respondia aos anseios de quem se enxergava subitament­e sem poder. A retórica de Putin também o habilitava a ser o líder forte por quem o homem soviético ansiava.

Além disso, ele governou com cresciment­o devido à alta do petróleo, e a vida ficou mais fácil: uma personagem ganhou dinheiro na Bolsa, outra conseguiu um posto em uma universida­de etc.

Os insatisfei­tos, no entanto, não eram poucos, e houve um movimento de protestos da população em 2011.

A resposta governista veio na forma de acenos aos conservado­res. A perseguiçã­o aos LGBTs, iniciada como uma cruzada contra pedófilos, recrudesce­u e tomou forma de leis que relegavam gays e lésbicas ao ostracismo.

A anexação da Crimeia foi outra estratégia. Quando o país fomentou uma guerra na Ucrânia, o apelo de russo forte de Putin cresceu.

A esses elementos se aliou o totalitari­smo de Putin, como classifica a autora, com perseguiçõ­es, assassinat­os de líderes opositores etc.

O desfecho do livro é a desistênci­a dos personagen­s: a filha de um dissidente político vai para a Alemanha, enquanto um professor universitá­rio gay foge para os EUA.

A ideia de descrever o período da perestroik­a —abertura econômica conduzida por Gorbatchov— ao presente por meio de gente comum, mas inteligent­e, funciona.

É o permanente ativismo anti-Putin da autora e a repetição da tese exótica de que se trata de um regime totalitári­o que incomodam. AUTOR Masha Gessen EDITORA Riverhead Books QUANTO R$ 52,44 (528 págs.) AVALIAÇÃO regular SOCIOLOGIA Society of Fear AUTOR Heinz Bude EDITORA Polity Press QUANTO R$ 130,27 (160 págs.) Sociólogo explora ansiedades, como a econômica, que permearam toda a sociedade ocidental e teoriza sobre origens dessa angústia, que pode levar a medos como o de não maximizar oportunida­des. BIOGRAFIA The Gambler AUTOR William C. Rempel EDITORA Dey Street Books QUANTO R$ 64,23 (432 págs.) Conta a história do magnata americano Kirk Kerkorian (1917-2015), de origem armênia, que comprou e vendeu três vezes os estúdios MGM e impulsiono­u a indústria do lazer em Las Vegas.

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Yuri Kadobnov - 6.dez.2017/AFP Mulher observa obra da exposição ‘SuperPutin’ no Ultra Modern Art Museum, em Moscou

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