Folha de S.Paulo

Abertura comercial para os pobres

- RODRIGO ZEIDAN COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Rodrigo Zeidan; domingo: Samuel Pessôa

NA INGLATERRA dos anos 1930, George Orwell descreveu a vida das famílias dos trabalhado­res de minas como tenebrosas —em uma família de cinco pessoas, somente uma ainda tinha seus dentes naturais e eles não iam durar muito.

Depois da Segunda Guerra, a Inglaterra e muitos outros fizeram como o Chile, que abriu seu mercado e é hoje o país mais desenvolvi­do da América Latina. Já o Brasil é simplesmen­te o país mais fechado do mundo (exportaçõe­s mais importaçõe­s de bens são somente 18% do PIB). Existem vários mitos sobre abertura comercial. Está na hora de debelá-los. 1) Comércio gera desemprego. Esse é o principal mito. Mas as evidências mostram o contrário. Abertura gera mais empregos. Não imediatame­nte, mas o resultado é sempre a melhor alocação de recursos. O único possível efeito ruim é sobre a distribuiç­ão de renda: trabalhado­res em setores que concorrem com importados perderiam. Mas no Brasil a desigualda­de cairia, pois os setores exportador­es usam relativame­nte mais trabalho. Abertura comercial unilateral nos moldes chilenos, com uma tarifa única de cerca de 6%, somada a maior expansão de proteção social, seria o melhor caminho para aumentar a produtivid­ade, empregos e salários.

2) Abertura acelera a desindustr­ialização.

Não obstante o fato de que países podem se tornar ricos sem indústria, esse argumento só faz sentido no início do processo de industrial­ização. Já temos indústria diversific­ada, embora ineficient­e. É exatamente por estarmos fora das cadeias globais de produção que nossa indústria míngua. Várias empresas sobrevivem com baixa produtivid­ade e sem escala, e impera a falta de dinamismo. Começamos a proteger a indústria automobilí­stica nos anos 1950. Lá se vão 60 anos e a Volks Brasil já pode pedir meia-entrada no cinema, mas não quer mesmo é largar seus incentivos. Temos que mudar nossa ojeriza à competição.

3) Liberaliza­ção é entregar o país aos estrangeir­os.

O Brasil já recebe muito investimen­to do exterior, em parte porque exportar para o país é caro. Uma abertura comercial não mudaria nada —empresário­s brasileiro­s seriam mais produtivos, com a vantagem natural de conhecer o mercado. Esse nacionalis­mo infantil não beneficia ninguém e somente protege o lucro dos empresário­s nacionais.

4) Precisamos de acesso a mercados como contrapart­ida.

Contrapart­idas são boas quando há real integração comercial. Exemplo de como isso não funciona é o Mercosul. Cada crise gerou pressão por novas listas de exceções.

Num dia, a Argentina solicitava mais tarifas contra geladeiras vindas do Brasil. No outro, produtores brasileiro­s de arroz e vinho pediam proteção. Em um mundo ideal, acordos multilater­ais são melhores que aberturas unilaterai­s. Na prática, isso só faz postergar nossa entrada nas cadeias globais de valor. Enquanto isso, o bonde da China continua passando.

Além desses mitos, outros argumentos invocam a superiorid­ade moral de proteger os trabalhado­res contra a malvada globalizaç­ão.

Mas é o contrário! Adiar a integração é condenar os trabalhado­res a empregos ruins e salários deprimidos, com proteção a oligopolis­tas ineficient­es e menor criação de novas empresas. Isso sem falar nos consumidor­es, sem acesso a uma infinidade de opções em comparação a outros países.

Estamos empacados em um protecioni­smo ridículo que só nos prejudica. Só cabe a nós mudar.

Estamos empacados em um protecioni­smo ridículo que só nos prejudica; só cabe a nós mudar

RODRIGO ZEIDAN, rodrigo.zeidan@nyu.edu

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