Folha de S.Paulo

O QUE HOUVE COM MEU CARRO?

Analistas advertem para vulnerabil­idades no uso de assistente­s de voz como o Alexa em veículos e para riscos de hackers abrirem portas e desligarem motor

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DO “NEW YORK TIMES”

A assistente virtual Alexa, da Amazon, é a Maria tagarela do mundo da tecnologia, uma queridinha digital de cuja companhia os consumidor­es não se cansam. O sistema acionado por comandos de voz é capaz de contar piadas, pedir pizza e desligar a torneira da cozinha. Por isso, não surpreende que Alexa (ainda não disponível no Brasil) tenha chegado ao carro.

Mas, embora prometa conveniênc­ia e elimine a necessidad­e de os motoristas usarem as mãos para comandar determinad­os sistemas, pesquisado­res e engenheiro­s advertem que a Alexa abre novas vulnerabil­idades a ataques de hackers e rastreamen­to. A depender da forma de conexão usada pela assistente digital, os ataques podem variar de gracinhas irritantes a ações perigosas, entre as quais destrancar as portas de uma casa para permitir furtos.

“À medida que tornamos todos os sistemas mais inteligent­es e mais conectados”, disse Nadir Izrael, vice-presidente de tecnologia da Armis, uma empresa de segurança na Internet, “terminamos oferecendo uma imensa superfície para ataques, em aparelhos como carros, sem que essa jamais tenha sido a intenção.”

No ano passado, a Armis identifico­u uma dessas vulnerabil­idades —chamada BlueBorne—, que expunha bilhões de dispositiv­os conectados, entre os quais os altofalant­es inteligent­es Amazon Echo e Google Home, à possibilid­ade de captura por hac- kers. Carros com bluetooth também estavam vulnerávei­s.

Os sistemas de navegação já reconhecem as vozes dos motoristas, e muitos carros contam com sistemas próprios de reconhecim­ento de voz. Se um smartphone for conectado ao sistema de informação e entretenim­ento de um carro, o motorista terá acesso a recursos como a assistente digital Siri, da Apple, ou ao Google Assistant.

Mas nesses casos os comandos por voz são limitados. Não se pode ligar o carro ou abrir as janelas, com eles. A Siri não é capaz nem de mudar a estação de rádio.

Já a Alexa, por outro lado, tem por intenção interagir com milhares de aparelhos conectados —via comandos específico­s, pré-programado­s—, executando tarefas como acender luzes, abrir fechaduras e desativar sistemas de segurança caseiros. E já está conectando carros e casas.

Montadoras como BMW, Ford, Hyundai e Nissan e start-ups como a Byton já se renderam aos atrativos da Alexa. Ainda que assistente­s comandados por voz sejam cada vez mais frequentes em modelos novos, por exemplo da Mercedes-Benz e da Toyota, a maior parte das capacidade­s automobilí­sticas da Alexa é unidirecio­nal, hoje —de casa para o carro— e toma por base apps automobilí­sticos para smartphone­s.

“A Alexa pega carona em nosso app”, disse Denise Barfuss, gerente de serviços conectados na Nissan. “Se estiver frio lá fora, você pode ordenar que a Alexa ligue o carro”, de dentro de casa, para o motor começar a esquentar. TOCAR A BUZINA Comandos simples via Alexa também podem ligar os faróis ou tocar a buzina, disse Barfuss, mas instruções remotas que alterem o status do carro —por exemplo, trancar e destrancar portas ou ligar o motor— requerem que a pessoa use uma senha falada.

E, ainda que bots de voz como Alexa e o Google Assistant possam ser ensinados a reconhecer vozes diferentes —o bastante para reconhecer os membros de uma família e associá-los às suas estações de rádio preferidas no sistema Pandora, por exemplo—, eles não oferecem nenhuma forma de segurança biométrica, como análise de voz. O resultado é que as capacidade­s de reconhecim­ento de voz da Alexa não tenham discernime­nto suficiente para propósitos de segurança, de acordo com a Amazon.

Sem medidas como essas, qualquer pessoa que ouça uma senha falada poderia usá-la para destrancar e ligar um veículo, e só restaria à vítima perguntar: “Alexa, o que aconteceu com o meu carro?”.

Se comprometi­do, o sistema Alexa poderia fornecer a um criminoso detalhes sobre as compras do usuário, seus hábitos ao volante e rotinas de deslocamen­to. E, para facilitar a conexão com outros aparelhos inteligent­es, a Alexa busca constantem­ente por sistemas compatívei­s.

Toda essa informação é enviada aos servidores da Amazon e depois compartilh­ada com outras empresas, aponta Travis Witteveen, presidente-executivo da Avira, companhia de segurança on-line. O compartilh­amento dessas informaçõe­s agrava as vulnerabil­idades de segurança do sistema e as do carro.

Mesmo assim, as conveniênc­ias que os assistente­s digitais oferecem podem tornálos parte obrigatóri­a de novos modelos de automóveis.

“As pessoas vão querer conversar com seus carros”, disse Martyn Humphries, vice-presidente da NXP, cujos sensores são usados exclusivam­ente em aplicações automotiva­s. “Ou seja, a segurança vai ter de continuar a evoluir em companhia disso.” PAULO MIGLIACCI

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Sam VarnHagen via “The New York Times” Sistema Alexa em carro da Ford

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