Calamidades políticas
JUSTA OU injusta, não importam as opiniões pessoais, a condenação criminal de um ex-presidente da República é um desastre. Por ser Lula, o mais popular de todos, os efeitos são devastadores. Divide o país.
O julgamento do TRF é o capítulo mais recente de uma série de calamidades políticas que atinge o Brasil desde a reeleição de Dilma Rousseff em 2014.
A presidente sem capacidade de governar (oito meses para indicar Edson Fachin para o Supremo, uma semana para reagir à tragédia ecológica de Mariana e do rio Doce), acuada, inepta e traída, é condenada por crime de responsabilidade e substituída pelo vice. Temer equilibrando-se entre o descrédito generalizado e a nova agenda econômica, a direita iletrada censurando as artes e soltando fogos, os governantes enfeando as cidades e lidando errado com a febre amarela.
A Lava Jato a todo vapor (menos no STF). Muita corrupção, abuso de poder, suspeitas generalizadas, prisão e indiciamento de ministros, deputados, senadores, assessores, funcionários, empresários, executivos. Ascensão e queda de Dirceu, Delcídio, Palocci, Cunha, Cabral, Geddel, Aécio. Não sobra ninguém.
Lula já começa a perder a liberdade de locomoção: um juiz federal de Brasília, em outro processo, apreende o seu passaporte. A prisão deixa de ser ameaça remota, é consequência da apelação perdida.
O impeachment é traumático e existe justamente para depor presidentes eleitos. Governantes podem Ainda não vejo em Lula a imagem clássica do corrupto —o que não o absolve da culpa moral e política praticar a mesma infração política em momentos distintos: sobrevivem os que têm base parlamentar (e Dilma não tinha). Mas, paradoxalmente, em meio ao turbilhão das más notícias, a narrativa do golpe se disseminou entre simpatizantes. Lula tem 36% das intenções de voto.
Em tese, a lei da Ficha Limpa inviabilizaria sua candidatura. Alguém condenado por corrupção não pode mesmo se eleger presidente do país. O PT e o réu apostam na insegurança jurídica, radicalizam o discurso e desafiam a legitimidade do Poder Judiciário.
Acredita quem quer. Lula se compara a Mandela, a Tiradentes, a Jesus Cristo. Messiânico e supostamente intangível, declara-se vítima do preconceito das elites e da mídia, ainda que tenha administrado o país com o entusiasmado apoio do poder econômico. Acusa procuradores, juízes, policiais e agentes da Receita de parcialidade e conspiração. Abandona a imagem de conciliador e faz do rancor o mote da campanha.
Repito o que já escrevi. Ainda não vejo em Lula a imagem clássica do governante corrupto, capaz de receber vantagens em troca de atos governamentais —o que não o absolve da culpa moral e política. Pai dos pobres, mobiliza o apoio dos movimentos sociais. “Brother” dos ricos, não explica por que a dinheirama ilícita, afinal, chegou à sua casa.
É mesmo necessário encarcerar Lula (assim como outros réus de corrupção)? Que ameaça ele em casa poderia representar? Lula está acima da lei? Por que deixá-lo disputar eleições? É melhor impedir a candidatura ou cassar o eleito?
Qualquer cenário parece impróprio: eleição com Lula ou eleição sem Lula, a ingovernabilidade no horizonte. Dizem os otimistas que tudo depende da economia e que sempre haverá alguém para se eleger e para governar. Por enquanto, a Justiça dá as cartas. lfcarvalhofilho@uol.com.br