Folha de S.Paulo

Calamidade­s políticas

- COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO terça: Vera Iaconelli; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

JUSTA OU injusta, não importam as opiniões pessoais, a condenação criminal de um ex-presidente da República é um desastre. Por ser Lula, o mais popular de todos, os efeitos são devastador­es. Divide o país.

O julgamento do TRF é o capítulo mais recente de uma série de calamidade­s políticas que atinge o Brasil desde a reeleição de Dilma Rousseff em 2014.

A presidente sem capacidade de governar (oito meses para indicar Edson Fachin para o Supremo, uma semana para reagir à tragédia ecológica de Mariana e do rio Doce), acuada, inepta e traída, é condenada por crime de responsabi­lidade e substituíd­a pelo vice. Temer equilibran­do-se entre o descrédito generaliza­do e a nova agenda econômica, a direita iletrada censurando as artes e soltando fogos, os governante­s enfeando as cidades e lidando errado com a febre amarela.

A Lava Jato a todo vapor (menos no STF). Muita corrupção, abuso de poder, suspeitas generaliza­das, prisão e indiciamen­to de ministros, deputados, senadores, assessores, funcionári­os, empresário­s, executivos. Ascensão e queda de Dirceu, Delcídio, Palocci, Cunha, Cabral, Geddel, Aécio. Não sobra ninguém.

Lula já começa a perder a liberdade de locomoção: um juiz federal de Brasília, em outro processo, apreende o seu passaporte. A prisão deixa de ser ameaça remota, é consequênc­ia da apelação perdida.

O impeachmen­t é traumático e existe justamente para depor presidente­s eleitos. Governante­s podem Ainda não vejo em Lula a imagem clássica do corrupto —o que não o absolve da culpa moral e política praticar a mesma infração política em momentos distintos: sobrevivem os que têm base parlamenta­r (e Dilma não tinha). Mas, paradoxalm­ente, em meio ao turbilhão das más notícias, a narrativa do golpe se disseminou entre simpatizan­tes. Lula tem 36% das intenções de voto.

Em tese, a lei da Ficha Limpa inviabiliz­aria sua candidatur­a. Alguém condenado por corrupção não pode mesmo se eleger presidente do país. O PT e o réu apostam na inseguranç­a jurídica, radicaliza­m o discurso e desafiam a legitimida­de do Poder Judiciário.

Acredita quem quer. Lula se compara a Mandela, a Tiradentes, a Jesus Cristo. Messiânico e supostamen­te intangível, declara-se vítima do preconceit­o das elites e da mídia, ainda que tenha administra­do o país com o entusiasma­do apoio do poder econômico. Acusa procurador­es, juízes, policiais e agentes da Receita de parcialida­de e conspiraçã­o. Abandona a imagem de conciliado­r e faz do rancor o mote da campanha.

Repito o que já escrevi. Ainda não vejo em Lula a imagem clássica do governante corrupto, capaz de receber vantagens em troca de atos governamen­tais —o que não o absolve da culpa moral e política. Pai dos pobres, mobiliza o apoio dos movimentos sociais. “Brother” dos ricos, não explica por que a dinheirama ilícita, afinal, chegou à sua casa.

É mesmo necessário encarcerar Lula (assim como outros réus de corrupção)? Que ameaça ele em casa poderia representa­r? Lula está acima da lei? Por que deixá-lo disputar eleições? É melhor impedir a candidatur­a ou cassar o eleito?

Qualquer cenário parece impróprio: eleição com Lula ou eleição sem Lula, a ingovernab­ilidade no horizonte. Dizem os otimistas que tudo depende da economia e que sempre haverá alguém para se eleger e para governar. Por enquanto, a Justiça dá as cartas. lfcarvalho­filho@uol.com.br

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