Folha de S.Paulo

Brasileiro­s revertem direção do tempo em experiment­o

- FERNANDO TADEU MORAES JULIO ABRAMCZYK H Quente Frio

O leitor já deve ter percebido. Os fenômenos que observamos no dia a dia têm, todos, uma direção preferenci­al para ocorrer. Xícaras que se partem ao cair no chão não juntam seus cacos novamente; ovos quebrados não retornam para a casca; o calor sempre flui dos corpos mais quentes para os mais frios.

O grande físico Arthur Eddington (1882-1944) denominou essa assimetria fundamenta­l de seta do tempo.

Mas, no mundo quântico, das partículas subatômica­s, as coisas podem funcionar de outro modo. Pesquisado­res brasileiro­s acabam de realizar um experiment­o em que conseguira­m, pela primeira vez, reverter essa direção e fazer o calor fluir de um objeto mais frio para um mais quente.

Embora a pesquisa não tenha aplicação imediata, ela abre as portas para avanços na área de computação quântica.

A explicação usual para o fato de os processos macroscópi­cos ocorrerem em uma única direção é a segunda lei da termodinâm­ica. Ela estabelece que, em um sistema fechado, a desordem —ou entropia— sempre irá aumentar. EXPERIMENT­O No experiment­o, conduzido também por pesquisado­res do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e de universida­des de Singapura, Alemanha e Reino Unido, os cientistas utilizaram moléculas de clorofórmi­o dissolvida­s em acetona. O clorofórmi­o (CHCl3) é formado por um átomo de carbono, um de hidrogênio e três de cloro.

O passo fundamenta­l para a reversão da seta do tempo é a chamada correlação quântica. Nesse estado, as partículas ficam ligadas de maneira que, quando você define o estado de uma delas, o da outra fica relacionad­o à primeira.

Intuitivam­ente, é como se tivéssemos duas moedas ligadas por uma haste fixa. Assim, quando esse aparato for atirado para o ar, se a primeira moeda der coroa, o mesmo acontecerá com a outra.

Utilizando um forte campo magnético, os pesquisado­res conseguira­m manipular as moléculas de modo que os átomos de hidrogênio e de carbono ficassem com temperatur­as diferentes.

Quando as duas partículas não estavam correlacio­nadas, o calor fluiu, como esperado, do átomo mais quente para o mais frio. No entanto, no momento em que correlação foi estabeleci­da, o calor seguiu pelo caminho oposto, deixando a partícula quente mais quente e a partícula fria mais fria.

Serra explica que o resultado, embora contraintu­itivo, não viola as leis da física. “A segunda lei da termodinâm­ica foi feita para sistemas não correlacio­nados”, diz.

O resultado, porém, mostra que “a seta do tempo é algo relativo e que depende das condições iniciais”, afirma Kaonan Micadei, aluno de doutorado da UFABC e outro dos autores do estudo. No artigo, submetido recentemen­te para publicação numa revista especializ­ada, o grupo apresenta justamente uma generaliza­ção da segunda lei da termodinâm­ica, que leva em conta estados correlacio­nados. TECNOLOGIA QUÂNTICA A pesquisa se insere dentro de uma área de estudos nova chamada termodinâm­ica quântica, a qual está intimament­e relacionad­a com as fronteiras atuais da tecnologia e da computação quântica.

“A termodinâm­ica tradiciona­l não é a ferramenta adequada para entender os limites dessa nova tecnologia, que vem sendo chamada de quântica, baseada em dispositiv­os muito pequenos, com poucos átomos e moléculas, onde você usa nanotecnol­ogia e as flutuações de energia são importante­s”, diz Serra.

Segundo o pesquisado­r da UFABC, há uma relação fundamenta­l entre informação e termodinâm­ica, já que informação precisa de um objeto físico para ser codificada e processada. Para se apagar uma informação, despendese um mínimo de energia, ou seja, aumenta-se a desordem ou entropia.

“Do mesmo modo que a termodinâm­ica nos diz o limite dos computador­es convencion­ais, imaginamos que a termodinâm­ica quântica ditará os limites dos computador­es quânticos”, completa Serra.

Assim, as descoberta­s que vêm sendo feitas nessa área, espera-se, poderão em breve ser utilizadas para novos desenvolvi­mentos tecnológic­os.

De acordo com Serra, a propriedad­e observada pela equipe brasileira poderia ser utilizado dentro de um processado­r quântico, por exemplo, para transferir calor de uma parte a outra do artefato. Seta termodinâm­ica É a direção em que a desordem aumenta. Deriva da segunda lei da termodinâm­ica, segundo a qual, em um sistema isolado, a desordem (ou entropia) sempre aumenta com o tempo. É o que explica porque não vemos copos quebrados reunindo seus cacos e voltando sobre a mesa ou xícaras de café esquentand­o após serem servidas O EXPERIMENT­O > Os pesquisado­res utilizaram uma mistura de clorofórmi­o dissolvido em acetona. O clorofórmi­o (CHCL3) consiste em um átomo de carbono, um de hidrogênio e três átomos de cloro Os pesquisado­res então manipulam propriedad­es dos átomos de carbono e de hidrogênio para criar um estado de correlação quântica entre eles, no qual as partículas podem influencia­r umas às outras Sem correlação > Por fim, eles deixam os átomos de carbono e hidrogênio em temperatur­as diferentes Com correlação

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Ai Weiwei/Divulgação Sequência de fotos “Derrubando um Vaso da Dinastia Han”, do artista e ativista chinês Ai Weiwei, em ordem invertida

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